Para um emprego científico estável

Neste texto centramos a discussão na universidade, mas uma inflexão política semelhante poderia ser aplicada aos institutos politécnicos.

É geralmente reconhecido o envelhecimento dos quadros docentes universitários enquanto os seus laboratórios fervilham com jovens investigadores doutorados. A gestão corrente e a orientação estratégica das universidades são muito determinadas pela corporação docente. As unidades de investigação são também lideradas por docentes e, principalmente, por docentes seniores, enquanto a grande maioria dos investigadores doutorados ativos são jovens com contrato de bolseiro pós-doc ou contrato de trabalho, sempre com um horizonte limitado no tempo.

O governo tem apresentado vários instrumentos de incentivo ao emprego científico e publicou um decreto-lei (57/2016 de 29 de agosto) com um novo regime de contratação de investigadores doutorados que não parece ter agradado a ninguém nem se vê como possa resolver este problema de precariedade. Para as universidades e as suas unidades de investigação, o problema é o de integrar um número maior de jovens investigadores com plenos direitos dentro da instituição. Só assim poderemos fruir plenamente da criatividade e da capacidade de inovação desta população jovem, internacionalizada e muito bem treinada.

Muitos departamentos universitários mais dinâmicos têm mais de dois investigadores doutorados por cada docente contratado. Não seria difícil incorporar uma parte significativa destes docentes como docentes com plenos direitos e obrigações perante a universidade. Não restarão dúvidas de que um tal rejuvenescimento dos quadros universitários teria um impacto muito importante na sua resposta aos novos desafios que se põem hoje ao sistema científico. Uma boa gestão do pessoal docente poderá libertar, por períodos limitados, os mais produtivos das cargas docentes excessivas e rotineiras.

Esta operação terá de ser feita com muito cuidado porque temos já hoje um rácio docente/discente semelhante à média europeia (ou da média da OCDE) e não poderemos baixar a eficiência global do sistema de ensino superior. Mas deve ser claro que a renovação do corpo docente pela integração de um número significativo de investigadores muito ativos irá fazer uma mudança qualitativa na universidade. Teremos uma nova geração a tomar a iniciativa e bem preparada para dar novas respostas aos desafios que se põem à sociedade. Provavelmente, só com uma revolução deste tipo poderá a universidade portuguesa ganhar o ânimo necessário para responder às enormes expectativas que todos depositam nela.

Como poderemos oferecer um contrato de carreira docente a uma parte relevante dos investigadores que já hoje trabalham nos nossos laboratórios sem correr o risco de vir a ter desequilíbrios financeiros graves nem baixar o desempenho do sistema científico? A generalidade dos reitores são hoje pessoas com um longo e bem reconhecido percurso de investigação. Conhecem bem as necessidades do sistema, mas estão ainda muito dependentes dos interesses mais imediatos da corporação docente e não dispõem de bons instrumentos de avaliação externa para promover uma gestão da investigação mais distanciada desses interesses. A experiência de muitos países europeus (Inglaterra, Itália, países nórdicos) é que é possível criar esses instrumentos por uma avaliação que, de forma transparente, consistente e estável, evidencie a relação entre as decisões de gestão e os resultados da avaliação. Feito isso, as verbas já hoje destinadas ao emprego científico poderiam ser melhor geridas pelas universidades e teríamos um sistema mais criativo, produtivo e com melhor resposta às necessidades da sociedade. Só então teríamos as decisões de contratação (e promoção ou reposicionamento) das universidades e dos seus colégios internos bem alinhadas com as estratégias nacionais. As universidades perceberiam o seu próprio interesse em alinhar as suas decisões com as estratégias nacionais.

No passado, as universidades sempre resistiram ao aliciamento pelos responsáveis pela gestão da Ciência para que contratassem mais investigadores e fizeram-no por muito boas razões. Tendo uma dotação orçamental quase sempre “histórica”, mas percebida como proporcionada ao serviço docente prestado, não podem correr o risco de assumir compromissos de muito longo prazo sem a garantia de que terão meios para os satisfazer. Na visão aqui defendida, a dotação institucional passaria a ter uma componente variável dependente do desempenho científico seguindo um processo de avaliação regular. Haverá certamente flutuações futuras desta dotação, mas não é previsível que o desempenho de uma grande instituição sofra variações bruscas pelo que essas flutuações virão a funcionar como alertas a convidar a uma resposta imediata de expansão e reforço de algumas áreas e de contenção ou correção de outras.

Uma avaliação do tipo da que sempre foi adotada para as unidades de investigação não dá garantias de rigor nem de estabilidade porque cada painel de pares poderá legitimamente ter uma decisão muito diferente da que foi assumida no exercício anterior. Toda a avaliação por pares sofre deste problema e a correção que tem sido quase sempre usada de lhe sobrepor uma gestão mais política das decisões finais ou dos processos de recurso tira-lhe o rigor, a honestidade e a transparência que são exigidos para que produza os efeitos aqui propostos. Para que a avaliação do desempenho científico da universidade possa ser usada na gestão interna, é necessário que cada (pequeno) departamento compreenda bem qual foi o seu contributo e como uma decisão sua pode vir a afetar o resultado de uma avaliação futura. Assim acontece nos países de referência, mas não é o caso da experiência conhecida em Portugal.

Neste texto centramos a discussão na universidade, mas uma inflexão política semelhante poderia ser aplicada aos institutos politécnicos.

 



 

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