Há poesia na artificialidade do Dubai

Na nova série de fotografias, Pauliana Valente Pimentel, dá-nos a ver o Dubai megalómano, mas acima de tudo a poética das pessoas e dos lugares.

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Pauliana Valente Pimentel FÁbio Augusto
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Uma das obras da exposição Empty Quarter [Rub’ Al Khali] Pauliana Valente Pimentel
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Uma das obras da exposição Empty Quarter [Rub’ Al Khali] Pauliana Valente Pimentel
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Uma das obras da exposição Empty Quarter [Rub’ Al Khali] Pauliana Valente Pimentel
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Uma das obras da exposição Empty Quarter [Rub’ Al Khali] Pauliana Valente Pimentel
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Uma das obras da exposição Empty Quarter [Rub’ Al Khali] Pauliana Valente Pimentel
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Uma das obras da exposição Empty Quarter [Rub’ Al Khali] Pauliana Valente Pimentel
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Uma das obras da exposição Empty Quarter [Rub’ Al Khali] Pauliana Valente Pimentel

Dubai. Território de arquipélagos artificiais, águas transparentes, hotéis de grandes dimensões, mansões e condomínios de luxo, inúmeros campos de golfe, pistas de esqui cobertas ou réplicas das pirâmides de Gizé. Ali, no meio do deserto, tudo parece possível. Uma espécie de utopia neocapitalista onde cada um é convidado a criar o mundo à sua imagem. Desde que tenha dinheiro. Muito, muito, dinheiro. Foi ali que Pauliana Valente Pimentel (Lisboa, 1975) esteve a fotografar, daí resultando a exposição Empty Quarter [Rub’ Al Khali], que está patente no espaço O-Apartamento (Av. Duque de Loulé 1 – 5º dir., Lisboa) até 14 de Fevereiro.

Depois de deambulações pela Grécia, Cáucaso, Paris ou Cabo Verde, das quais resultaram livros como Causase, Souvenirs de Voyage (2011), projectos fotográficos e fílmicos como Jovens de Atenas (2012) e Entre Nous (2014) e exposições como The Behaviour of Being (2015) ou Quel Pedra (2016), com a qual foi finalista do prémio Novo Banco, ei-la com uma nova série de fotografias resultante de uma temporada no Dubai.

Na sua obra a atenção à figura humana, no seu envolvimento paisagístico e social, e a imagem fotográfica entre o documental e a poesia, que têm marcado o seu trabalho, volta a estar presente, mas com novos desígnios, mistura de indivíduos, edifícios, situações, paisagens e interiores. Foi há dois anos que tudo começou. “Na inauguração de uma colectiva, na galeria Plataforma Revolver, na qual participava, apareceu uma senhora um pouco excêntrica que disse ser curadora e do Dubai. Afirmou que havia gostado muito do meu trabalho e desafiou-me a ir ao Dubai fotografar ao que eu respondi que sim”, lembra Pauliana. Trocaram contactos, mas Marie Loffreda, não deu sinais de vida durante um ano.

“Em Novembro de 2015 telefonou-me, dizendo que estava em Lisboa e que queria voltar a ver o meu trabalho e foi aí que ficou definido que iria.” Durante um mês fixou residência na cidade dos Emirados Árabes Unidos. Como em anteriores projectos ia com a ideia de fotografar a realidade das famílias árabes, conhecendo pessoas, permanecendo com elas, mas foi percebendo que iria ser difícil, por ser mulher e pelos códigos impenetráveis. Conseguiu captar o espírito do lugar, mas o seu olhar deslocou-se para a vertigem do sonho, a maneira como o lado plástico se confunde com a própria realidade. “Na forma como tudo é simulado mas vivido como verdadeiro”, diz, numa cidade que coloca em causa os limites da artificialidade, parecendo ter brotado apoteoticamente do deserto.  

Mesmo assim conseguiu fotografar situações invulgares, diz-nos, apontando para uma foto nocturna de uma jovem mulher. “Isto é dentro da casa, sem estar coberta. Ela ia para uma festa e consegui fotografá-la antes de sair, mas se estivesse um homem por perto já não seria possível.”

Numa outra foto vêem-se duas mulheres a tomar café num centro comercial. “Pedi-lhes autorização para fotografar e aceitaram. Depois fiquei com o contacto de uma delas para a fotografar em casa. Estava toda entusiasmada, mas quando cheguei a sua casa, ao pedir autorização ao marido, ele acabou por não deixar.” Numa outra foto vislumbram-se duas mulheres viradas para o mar. “Estava um dia de tempestade, de céu cinzento e mar ondulado o que não é de todo muito comum”, conta Pauliana, “quando as avistei perguntei-lhes se as podia fotografar mas só depois de insistir e de prometer que seria de costas é que aceitaram.”  

Numa das fotografias mais impactantes um homem segura um falcão vendado, uma imagem que só foi possível a partir da relação estabelecida com um treinador e criador daquele tipo de aves. “Os homens gostam muito de falcões, que podem custar pequenas fortunas”, diz, recordando quatro dias no deserto. “O falcoeiro deixou-me andar com ele no deserto, acordando às 5 da manhã, para não apanharmos calor e ele treinar a ave”, recorda, enaltecendo o factor tempo como primordial para estabelecer ligações. “Para captar este tipo de imagem é preciso tempo e proximidade. Preciso de conhecer a pessoa e neste caso isso foi possível.”

O que também existe nesta exposição são edifícios, situações onde é perceptível que estamos perante uma urbe que parece estar sempre a refazer-se. “Às tantas olhava para os prédios quase como se fossem pessoas o que é uma novidade”, reflecte, lembrando que nas ruas quase não se vislumbram pessoas. “Saem, mas nos carros, para os centros comerciais, só deambulando a partir do final do dia, por causa do muito calor”, declara.

Há quem olhe para o território com fascínio, cidade das mil e uma noites. Para outros é um gigantesco paraíso do faz-de-conta. Uma urbe descartável. No olhar de Pauliana não existe a tentação da denúncia. “Nos meus trabalhos não faço juízos de valor, mesmo que alguns sejam políticos como os de Atenas. Não me interessa instigar directamente, mas claro que é sempre a minha visão, o meu olhar, o que senti e vivi.”

No próximo ano a presente exposição – com novas fotos – será mostrada no Dubai – e daqui a três anos, altura em que a cidade recebe a Expo 2020, uma grande feira de arte mundial, é possível que o Dubai volte a cruzar-se com Pauliana. “Há ali uma fonte inesgotável de inspiração.”

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