Os Monhés do Rock

Deve o Estado proibir o registo de marcas com expressões depreciativas?

Suponha que é um português com origens no subcontinente indiano e que com um grupo de amigos têm uma banda musical interventiva, com uma forte mensagem política e social. Suponha, ainda, que se lembram dar um nome provocatório à banda: “Os Monhés do Rock”. E, à cautela, para serem os únicos a poder usar esse nome, se dirigem ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) para registar esse nome. Conseguem o registo ou não?

O problema, na verdade, não se passa no nosso país mas sim nos EUA: a banda chama-se The Slants, que é uma designação americana depreciativa dos chineses, que quer dizer, em calão, qualquer coisa como ”Os com os olhos em bico”. Os membros da banda são americanos, alguns deles com origem chinesa e, depreciativamente, slants.

Dirigiram-se, pois, ao Patent and Trademark Office (PTO) e pediram o registo da marca da banda de que tanto se orgulhavam. Mas não tiveram sorte: o departamento recusou registo com base numa disposição legal que permite a recusa do registo de marcas que contenham expressões depreciativas de pessoas ou grupos de pessoas ou que sejam escandalosas ou imorais.

Recorreram os Slants para a direção do PTO mas sem êxito: a legislação já é de 1946 e embora a recusa de registo de marcas com base no facto de serem depreciativas tenha sido durante muito tempo esquecida, recentemente tem vindo a ser utilizada com frequência. Politicamente correcto oblige...

Um dos casos que deu muito brado e que ainda está em recurso nos tribunais é o da equipa de futebol americano, os Washington Redskins ou os “Peles vermelhas de Washington” que, o ano passado,  viram ordenado, por um juiz federal, o cancelamento da sua marca com mais de 80 anos, para grande gáudio dos activistas das associações dos Americanos Nativos – os índios da nossa infância – que há décadas se opunham à designação daquela equipa de futebol por a considerarem depreciativa.

Mas, voltando aos Slants: inconformados com a burocracia estatal recorreram aos tribunais onde defenderam o seu direito a usar um nome, que, afirmavam, era até um grito de orgulho na sua ascendência e uma reapropriação de um estereótipo, de uma designação que passava, assim, a ser usada de forma positiva.

Num tribunal de recurso federal, no que passou a ser o caso In re Shiao TAM, os Slants conseguiram ver revogada a decisão de recusa de registo da marca mas, simultaneamente, o tribunal de recurso, ao considerar inconstitucional a proibição das marcas depreciativas, decidiu remeter o processo para o Supremo Tribunal norte-americano que, pelo seu lado, aceitou o caso e irá pronunciar-se sobre a constitucionalidade daquela disposição legal este ano judicial.

Em causa está, assim, saber se o Estado tem o direito ou não de proibir o registo de marcas com expressões depreciativas. De um lado, está o Governo que defende esse direito que existe há 200 anos e que é uma garantia do bom funcionamento do comércio em geral, afastando situações de tensão ou confrontação desnecessárias. Sublinha o Governo que nada proíbe os Slants de terem esse nome para designar a banda, o que não podem é ter o registo como marca porque isso já envolve uma participação do Estado ao aceitar inscrevê-los no Registo Nacional de Marcas e ao dar-lhes uma especial proteção.

Os opositores à proibição do registo, que se juntaram aos Slants na sua luta por terem o direito de utilizar uma expressão depreciativa como marca, que é ao mesmo tempo uma afirmação política, cultural e artística, defendem que não cabe ao Estado decidir o que é depreciativo ou não, constituindo a proibição de registo uma verdadeira violação da liberdade de expressão constitucionalmente consagrada na Primeira Emenda. A luta está renhida e a decisão segue, nos EUA, dentro de momentos...

 E a questão dos “Monhés do Rock” perguntam os leitores? A verdade é que não existiu, até hoje e que se saiba, nenhum grupo que pretendesse o registo dessa marca sendo certo que a nossa lei prevê que o INPI deverá recusar o registo de marcas que contenham “expressões ou figuras contrárias à lei, moral, ordem pública e bons costumes”. Muito provavelmente, o registo de tal marca seria recusado e nos tribunais também não teria grandes hipóteses de vingar. Ou talvez não...

<_o3a_p>

Sugerir correcção
Ler 2 comentários