A Consulta aos Cidadãos – Um reencontro com a política?

De uma Consulta anual podíamos passar para um diálogo construtivo, de um ano para o outro, em que se verificava as perguntas do ano anterior, as respostas e a partir daí se continuava o diálogo entre cidadãos e Governo.

Às 16 horas do passado dia 26 de Novembro, 59 portugueses, oriundos de norte a sul do país, jovens e idosos, homens e mulheres, de classes sociais distintas, no seu conjunto representativos da sociedade portuguesa, sentaram-se no átrio da Reitoria da Universidade de Lisboa e colocaram dezasseis perguntas ao primeiro-ministro. O governo cumpria um ano de mandato, e António Costa respondeu ao longo de uma hora, convidando também ministros do Governo a dar respostas a perguntas de natureza claramente sectorial. Antes desta sessão, os 59 participantes tinham dedicado a manhã a um exercício deliberativo destinado a discutir as suas principais preocupações e a traduzi-las em questões para o chefe deGgoverno.

Este inédito exercício foi importante por vários motivos. Por um lado, dado o grande distanciamento entre cidadãos e políticos – basta lembrar que, segundo dados recentes do Eurobarómetro no. 83, recolhidos em 2015, 76% dos portugueses afirma não confiar no governo (63% média da UE), e 72% não confia no Parlamento (62% média da UE). Naturalmente, sem ser panaceia para este problema, quisemos contribuir para a melhoria do debate público. Fizemo-lo com critérios rigorosos de selecção dos participantes, procurando assegurar a representatividade em termos de género, idade, região e classe social- mas sem qualquer critério político ou ideológico. Um processo rigoroso de deliberação prévia levou a que os cidadãos decidissem livremente as perguntas a fazer. Perguntas essas que não foram dadas a conhecer ao governo antes da sessão na Reitoria.

A Consulta aos Cidadãos, realizada no âmbito do Observatório da Qualidade da Democracia do Instituto de Ciências Sociais, foi importante tanto pela forma entusiasta como os cidadãos fizeram ouvir a sua voz como – e talvez sobretudo – pela notória divergência entre os temas que interessam aos cidadãos e os que dominam a agenda mediática. O relatório descritivo está acessível em http://www.ics.ul.pt/pessoas/marina.costalobo. O vídeo do encontro pode ser visto em http://www.portugal.gov.pt/pt/fotos-e-videos/videos/20161126-1-ano-de-governo.aspx.

De facto, no processo de deliberação ficou clara a vontade dos cidadãos de serem ouvidos e comunicarem as dificuldades do dia-a-dia. Essas dificuldades centram-se em primeiro lugar no funcionamento do mercado de trabalho. Em segundo lugar, passam pela relação com o Estado Providência, em pelo menos duas vertentes: a forma e a qualidade dos serviços prestados, e o Estado enquanto empregador, que remete mais uma vez para a situação laboral dos portugueses. Por sua vez, os temas sobre a relação entre cidadãos e política também suscitaram um vivo debate, havendo uma crença generalizada de que o interesse dos políticos pelos cidadãos é baixo ou nulo. A imagem dos políticos também não se revela muito positiva, sendo a falta de confiança nos mesmos evidente. Discutir os temas económicos mais agregados da economia como a dívida pública ou o crescimento económico revelou-se muito mais difícil.

Essa talvez seja a principal conclusão dos trabalhos: a comunicação social e o país político tratam as questões económicas sobretudo de uma perspectiva macroeconómica, porventura até por boas razões que têm que ver com objectivos orçamentais e constrangimentos externos. No entanto, os cidadãos desejam que se discutam emprego e políticas sociais, visto serem os temas desta natureza aqueles que mais os preocupam.

Aliás, é interessante verificar que estas conclusões vão um pouco ao encontro dos resultados de outro estudo, realizado pela Soros Foundation, e divulgado recentemente. O projecto ( https://www.opensocietyfoundations.org/reports/white-working-class-communities-lyon) decidiu ir à procura das opiniões e sentimentos de grupos maioritários da classe média e operária em várias cidades do Norte da Europa e concluiu que os cidadãos sentem que são ignorados tanto pelo Estado como pelos media. E querem falar sobretudo das políticas sociais que os afectam no dia-a-dia.

Estes são sinais de alerta sobre a natureza do fosso que separa cidadãos e política. Independentemente do impacto mediático que possam ter, as Consultas aos Cidadãos poderiam servir de ponto de partida para um trabalho político mais próximo das pessoas. Por exemplo, o Governo poderia desde já publicar as respostas que deu a cada uma das questões colocadas pelos cidadãos. E assim, tendo em conta que as Consultas aos Cidadãos estão planeadas anualmente, de uma Consulta anual podíamos passar para um diálogo construtivo, de um ano para o outro, em que se verificava as perguntas do ano anterior, as respostas e a partir daí se continuava o diálogo entre cidadãos e Governo.

 

 

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