Angela Merkel, o alvo virtual

O ataque na Alemanha não terá sido por acaso. O país é um alvo lógico: constitui neste momento o centro da disputa europeia sobre imigração e refugiados.

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Sabemos o bastante sobre o atentado de Berlim para o avaliar. Mas nada ou quase nada sobre a autoria. Diz o especialista americano Bernard Haykel que “não é necessário que haja uma relação directa com o Daesh nem uma reivindicação credível para que este provável atentado venha reforçar a retórica jihadista e restituir a centralidade mediática ao dito ‘Califado’, em retirada na Síria, no Iraque e na Líbia.” A derrota militar do Daesh “torna-o mais perigoso na Europa e nos Estados Unidos”.

A táctica do camião como arma faz evocar o massacre de Nice. O Daesh ainda há duas semanas ameaçou a Europa. Não foi por falta de medidas preventivas que o crime aconteceu. Lançar um camião sobre uma multidão é uma forma barata de terrorismo e não exige a preparação logística de um atentado como o do Bataclan em Paris. A Alemanha é um país seguro. Mas segurança a cem por cento é coisa que não existe. Há dois pontos a sublinhar, um sobre os atentados em geral, outro sobre o alvo.

O terrorismo não visa apenas provocar pavor aos seus alvos e demonstrar aos adeptos que é capaz de causar danos maciços aos inimigos, inclusive como método de recrutamento. Pretende desencadear uma espécie de “guerra civil” na Europa, levando à adopção de medidas extremas contra as comunidades muçulmanas.

Explicou o politólogo Pierre Hassner na altura do atentado de Paris que nos debatemos com dois medos contraditórios. “Temos razão de ter medo do terrorismo, mas também de ter medo das medidas que se tomam contra o terrorismo” e que ameaçam as liberdades. De qualquer modo sabemos que os refugiados serão sempre “vítimas colaterais” deste terrorismo. O que agrada aos jihadistas.

Eleições no horizonte

Há muito que Berlim tem consciência da sua vulnerabilidade, sabe que “a Alemanha não é apenas um alvo abstracto do terrorismo”, diz o especialista alemão Rolf Tophoven. Não terá sido por acaso que foi atacada. A Alemanha já sofreu este ano alguns atentados e evitou outros, mas nenhum desta dimensão. É um alvo lógico: constitui neste momento o centro da disputa europeia sobre imigração e refugiados.

Berlim não participa nos bombardeamentos euro-americanos contra as bases do Daesh. Mas, no ano passado, Angela Merkel fez uma coisa pior: abriu as portas aos refugiados, designadamente aos da Síria. A reacção da extrema-direita e dos populistas teve um forte eco na opinião pública e fez recuar Merkel, que aumentou as restrições à recepção dos fugitivos.

Cresce a xenofobia e verifica-se uma queda da popularidade da chanceler. As eleições legislativas realizam-se em Setembro de 2017 e o seu desfecho muito pesará no destino da Europa. Dirigentes xenófobos alemães e estrangeiros não perderam a oportunidade de atribuir a responsabilidade do atentado à chanceler: “São os mortos de Merkel”, disse um dirigente da xenófoba Alternativa para a Alemanha.

O país está perigosamente polarizado. Os xenófobos tentarão fazer do atentado de Berlim um ponto de viragem no combate eleitoral. Os jihadistas farão o mesmo cálculo.

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