2016: o ano em que ardeu mais de 8% do Parque Nacional da Peneda-Gerês

Os últimos dados oficiais contabilizam uma área ardida de 160 mil hectares este ano no continente. Destes, 14 mil arderam em áreas protegidas, quase o triplo da média dos últimos três anos

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Os incêndios florestais deste ano queimaram 8,2% do único parque nacional do país, o da Peneda-Gerês, afectando de forma significativa uma das zonas mais ricas do parque, a reserva integral do Ramiscal. As áreas protegidas foram especialmente atingidas pelos fogos deste ano contabilizando uma área ardida de 14 mil hectares, quase o triplo da média dos últimos três anos. Os números constam no último relatório do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, que indica que até 15 de Outubro os incêndios destruíram 160 mil hectares no continente. É a maior área ardida dos últimos dez anos e mais do dobro da média desse dessa década.

O ano fica igualmente marcado pelos três mortos e pelo ferido grave resultantes dos violentos incêndios na Madeira, que segundo dados do Instituto de Florestas da região, queimaram mais de seis mil hectares, quase o triplo da média dos últimos 16 anos. O país foi inundado com as imagens da destruição do fogo no Funchal (1666 hectares) que, segundo a autarquia e o Governo Regional, danificou 304 edifícios (251 dos quais residências permanentes) e 32 viaturas. Centenas de pessoas ficaram sem casa e foram entretanto realojadas até agora, de forma provisória, 112 famílias, havendo ainda perto de 20 à espera de habitação.

A destruição na Peneda-Gerês (5700 dos 69.600 hectares do parque) ficou longe dos olhares públicos, não fossem muitas das áreas afectadas zonas isoladas só acessíveis a pé. “A Mata do Ramiscal não ardeu toda, mas foi gravemente afectada. O fogo atingiu essencialmente carvalhos, azevinhos centenários e medronheiros”, especifica o presidente da Quercus, João Branco. Outra zona do parque, a Serra da Peneda, também ardeu. “O fogo queimou carvalhais e matos que são fundamentais para a fauna de animais como o lobo e o corço” acrescenta o ambientalista. A zona do Soajo, junto à Porta do Mezio, também foi fortemente afectada.

A destruição no Parque Nacional levou o Governo a avançar com um plano-piloto de prevenção dos incêndios florestais. Na quinta-feira passada foram publicados no Diário da República os detalhes do plano, que implicará um investimento de 8,4 milhões de euros ao longo de oito anos, distribuídos por 11 projectos. Uma parte das acções passa por rearborizar a área ardida, com recurso a espécies autóctones e a reconstituir habitats naturais perdidos, nomeadamente na Mata do Ramiscal e na Mata do Mezio. Está ainda prevista a realização de acções de conservação em algumas relíquias do parque, como a Mata de Albergaria, e o aumento das populações autóctones de pinheiro-silvestre. Uma boa parte do investimento destina-se a contratar já a partir do próximo ano 10 equipas de sapadores florestais, num total de 50 operacionais. “O plano vem dotar o parque nacional de alguns meios, o que é melhor do que o que existe: que é praticamente nada”, avalia João Branco. O dirigente nota, contudo, que há outras 45 áreas protegidas que também precisam de investimento.

O impacto dos fogos na Madeira também levou o Governo Regional e a autarquia do Funchal a lançarem vários projectos e a realizarem acções preventivas, como a consolidação de escarpas. A câmara anunciou a criação de uma “cintura” de árvores mais resistente ao fogo, nos limites do parque ecológico, para preservar a reserva e proteger a cidade das enxurradas de Inverno. Miguel Sequeira, que dirige o Instituto Regional das Florestas, adianta que já há um projecto para reflorestar os 139 hectares de Rede Natura que arderam este ano e um outro para criar uma mata modelo no Funchal, com 25 a 30 hectares. “O objectivo é demonstrar aos proprietários o que se pode fazer ao nível das boas práticas da gestão florestal”, acrescenta Miguel Sequeira.

Hélder Spínola, professor de Educação Ambiental na Universidade da Madeira, considera que as propostas são insuficientes e lamenta que não se tenha aproveitado esta oportunidade para avançar com medidas estruturais. “A legislação que obriga os proprietários a proceder a limpezas à volta das casas e a fazer-se faixas de contenção em determinados locais não se aplica na Madeira, porque a Assembleia Regional nunca adaptou esse diploma. Até ao momento essa falha grave não foi colmatada”, exemplifica. Spínola considera que os terrenos agrícolas abandonados dentro das zonas urbanas, junto às casas, são um problema grave e defende a criação de mecanismos para incentivar a sua ocupação, na agricultura ou na pastorícia, e para sancionar os proprietários que não cumprirem certas regras.

Este ano ficou marcado pelo regresso dos grandes incêndios, com um só fogo, o de Janarde, em Arouca, a contabilizar quase 22 mil hectares de área ardida. E toda em zona de povoamento florestal. Registaram-se 22 fogos com uma área superior a mil hectares e só esses representam mais de metade da área ardida. “De facto, este ano, e contrariamente aos anos anteriores, a área ardida de floresta foi maior que a de incultos”, nota Carlos Vieira, director-geral da CELPA - Associação da Indústria Papeleira, que reconhece que este ano ardeu uma percentagem maior de eucalipto do que é habitual. Tal, ao contrário do que muitos pensam, insiste, só penaliza a indústria papeleira: que não aceita madeira queimada nas suas fábricas e se vê obrigada a importar essa matéria-prima que lhe custa o dobro da madeira comprada no mercado nacional.

O engenheiro florestal Paulo Fernandes, professor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, lamenta que Portugal seja o único país da Europa com incêndios com mais de 10 mil hectares. Considera que tal mostra a extrema fragilidade do sistema de combate. “Houve uma melhoria no combate aos fogos nascentes, mas não aos fogos maiores”, acredita. O engenheiro florestal critica o facto de os comandantes responsáveis pelas operações de combate terem uma baixa especialização e não fazerem a análise do incêndio. “Falta integrar conhecimento no dispositivo”, realça. E exemplifica: “Este ano na Serra do Sicó um posto de comando esteve com o fogo mesmo à porta. É uma situação caricata que mostra que os responsáveis não tiveram capacidade de perceber que o posto estava na rota do fogo”.

Filipe Pinho, outro engenheiro florestal, concorda que ainda há muito a melhorar no sistema de combate. “Tem que se priorizar a resposta para ocorrências que têm potencial para causar grandes fogos”, defende, sublinhando a importância de haver equipas multidisciplinares de técnicos especializados no comportamento do fogo, como existiram há uns anos.

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