A luz na arquitectura do Douro em teses de mestrado

As mudanças na produção e no armazenamento de vinho no Douro implicaram alterações nas estruturas arquitectónicas. E a utilização da luz natural transformou as adegas em “pequenos templos de culto”. No âmbito do Prémio Arquitectura do Douro, falamos de duas teses de mestrado que abordam o tema

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A Quinta do Portal, em Sabrosa, é um dos exemplos abordados nas teses de mestrado Nelson Garrido

Joana Pinto da Costa e Eduardo Teixeira Gomes têm em comum a naturalidade e o percurso universitário: ambos nasceram em Vila Real, estudaram arquitectura e escreveram teses de mestrado sobre a arquitectura do Douro. Os dois jovens inspiraram-se na ligação à terra e ao vinho para se debruçarem sobre algumas especificidades da arquitectura duriense. A utilização da luz natural nas adegas e o impacto do enoturismo são dois dos aspectos abordados nas duas dissertações.

Em “A Nova Arquitectura das adegas durienses: uma renovada utilização da luz natural nos projectos destes espaços”, Eduardo Teixeira Gomes divide as adegas desta região segundo três parâmetros: o lugar, a construção e o programa. “Tem-se notado que as adegas estão a fugir do rio porque este já não é uma via de comunicação principal”, razão pela qual o lugar assume um papel de destaque, reflecte o arquitecto de 29 anos. “A Quinta do Portal, por exemplo, encontra-se numa zona plana numa região que não é plana.”

Da mesma forma, as técnicas de construção também evoluíram, aponta o jovem formado pela Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP). “Antes tínhamos necessidade de ter paredes grossas e, com elas, não podíamos ter vãos muito largos porque não havia técnicas que resolvessem os problemas. Hoje já há técnicas construtivas para termos os vãos envidraçados que quisermos.” O fim do rio enquanto via de comunicação e as novas técnicas construtivas permitiram, também, o desenvolvimento de um novo programa para as adegas enquanto estruturas arquitectónicas. Os armazéns das adegas deixaram de ser em Vila Nova de Gaia e estes mudaram-se para o Douro. “Antes não havia a presença do turista nas quintas e hoje é preciso recebê-lo e mostrar tudo, ao mesmo tempo que se trabalha”, evidencia.

O turismo — em especial o enoturismo — é central na investigação de Joana Pinto da Costa, “As arquitecturas do vinho no século XXI. Três quintas no Douro: Portal, Bomfim e Gaivosa”. O trabalho, desenvolvido na Universidade de Coimbra, abordou o enoturismo “na sua expressão arquitectónica, analisando os casos de estudo e confirmando e afirmando a existência de uma arquitectura de enoturismo na zona do Douro”. Nas três quintas estudadas, Joana, 26 anos, verificou um padrão: “a passagem da murada nos locais com visualização de janelas ou vãos, permitindo a união entre o interior e o exterior”. Quer isto dizer que o turista, durante a visita às adegas, “consegue ver a paisagem e as vinhas”. “As vinhas entram logo na história (…). existe sempre, pelo menos uma janelinha que nos leva a visualizar a paisagem e o produto que, no fim da visita, vamos provar.”

A luz natural, continua Eduardo Teixeira Gomes, “é um dos principais temas da arquitectura” — e no Douro não é excepção. “O trabalho da luz pode confundir-se entre duas questões técnicas: de construção e de técnica de produção do vinho”, explica. Nas adegas antigas “há sempre uma telha quebrada intencionalmente para arejar ou ser um ponto de luz, frinchas nas portadas”. “É comum entrar num espaço escuro, abrir uma porta exterior e quase ser encadeado pela luz.”

As novas adegas, remata o jovem arquitecto, “são pequenos templos de culto” e a luz zenital é disso prova.

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