Que utilidade dar aos rankings?

Chumbar alunos é a medida mais fácil, menos exigente, e também menos eficaz que se pode utilizar num sistema que pretende ensinar.

Os rankings das escolas são uma ferramenta útil e interessante, que deve ser analisada em diversas dimensões e servir de ponto de partida para que cada escola olhe para dentro de si mesma e utilize os dados disponíveis para refletir, no sentido de conseguir fornecer um melhor serviço de educação. O exercício dos rankings tem mudado substancialmente desde que surgiu pela primeira vez, e na generalidade é agora possível lançar vários olhares sobre as semelhanças e dissemelhanças das escolas. Esta possibilidade deve-se ao notável esforço de recolha e organização de dados desenvolvido pela Direção Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) e pelo Instituto de Avaliação Educativa (IAVE), a quem devemos um enorme agradecimento.

O que hoje se publica não é o resultado de nenhuma corrida em que todos partem ao mesmo tempo e chegam em lugares distintos. Não temos medalhas para oferecer, nem devemos estimular discussões á volta da classificação da escola dos meus filhos e do problema de ter ficado “pior” ou “melhor” do que o colégio A ou B. A análise do resultado dos exames é a ponta do icebergue, o sistema educativo é complexo e com muitas etapas interdependentes.

Irei realçar apenas dois aspetos que considero de maior importância e que se tornam ainda mais evidentes à luz dos dados hoje conhecidos: (i) a preocupação com os “percursos diretos de sucesso”, que convocam a nossa atenção para um dos maiores problemas do sistema de ensino em Portugal – o chumbo conjugado com aprendizagens deficientes e (ii) a caracterização das escolas a nível socioeconómico e a tomada de consciência de que a responsabilidade pelas aprendizagens não reside apenas na família. As escolas têm um papel fundamental e é urgente compreender por que é que escolas inseridas em ambientes socioeconómicos similares proporcionam níveis de aprendizagem muito diferentes.

Os dados agora disponíveis revelam que a escola média do 3.º ciclo é frequentada por apenas 39% de alunos classificados como “percurso direto de sucesso”, semelhante ao valor de 41% verificado no ano passado. Ou seja, no ano letivo de 2015/2016, de entre os cerca de 90.000 alunos que fizeram os exames do 9.º ano, apenas pouco mais de 35.000 tiveram positiva nas provas nacionais sem nunca terem repetido nenhum ano entre o 7.º e o 9.º. Dado que cerca de 30% dos alunos repetem pelo menos um ano, temos ainda mais 40% que, sem nunca terem repetido, não aprenderam o suficiente para ter pelo menos 50% nos exames do 9.º ano.

Devo lembrar que a legislação portuguesa (Decreto-Lei n.º 139/2012 de 5 de julho) diz que “caso o aluno não adquira os conhecimentos predefinidos para um ano não terminal de ciclo que, fundamentadamente, comprometam a aquisição dos conhecimentos e o desenvolvimento das capacidades definidas para um ano de escolaridade, o professor titular de turma, no 1.º ciclo, ouvido o conselho de docentes, ou o conselho de turma, nos 2.º e 3.º ciclos, pode, a título excecional, determinar a retenção do aluno no mesmo ano de escolaridade”. Parece-me que o requisito “a título excecional” tem sido sistematicamente ignorado.

A escola de hoje não deve ser um mero filtro de seleção de alunos que são capazes, dando-se ao luxo de excluir todos os que têm dificuldades. Chumbar alunos é a medida mais fácil, menos exigente, e também menos eficaz que se pode utilizar num sistema que pretende ensinar e contribuir para uma sociedade mais e melhor qualificada. A boa escola não é a que chumba muito para ensinar alguns, mas a que consegue ensinar muito e a todos!

Urge mudar esta prática que está ainda demasiado enraizada na forma de operar das escolas. Hoje sabe-se que nem todos aprendemos da mesma maneira, nem ao mesmo ritmo. Os alunos são “difíceis”, as condições nunca são as ideais, mas ainda assim há quem consiga. A implementação de práticas de prevenção precoce do insucesso, flexibilidade no currículo, gestão dos tempos escolares de acordo com as necessidades do indivíduo, são algumas das várias medidas que têm sido estudadas. Há um vasto corpo de investigação que mora nas revistas cientificas e que permanece afastado da prática escolar. É urgente fazer escorrer o conhecimento académico para a vida das escolas.

Numa segunda vertente, salienta-se o facto de Portugal ser um país com reduzida escolaridade da população adulta, dado que os beneficiários das primeiras vagas de crescimento da escolaridade ainda não têm filhos a fazer exames. A média de anos de escolaridade das mães dos alunos do 9.º ano é de cerca de dez anos, ou seja, em média as mães portuguesas completaram pouco mais do que o 3.º ciclo. Portugal é também um país em que muitas famílias vivem com dificuldades económicas, sendo que a escola média recebe cerca de 45% de alunos com Ação Social Escolar (ASE). De referir que de entre as escolas públicas (excluindo a Madeira e os Açores por falta de dados), apenas 18% das escolas básicas e 34% das secundárias se podem considerar como inseridas em meios socioeconómicos favoráveis. A grande maioria das escolas trabalha pois com jovens provenientes de famílias carenciadas, tanto a nível económico como de qualificação dos pais.

No entanto, a origem familiar não é nenhum fatalismo. A ascensão social por via de uma melhor educação tem sido uma realidade constante em Portugal. Ainda há poucos anos os níveis de analfabetismo eram enormes, e hoje já temos cerca de 40% de jovens a entrar para cursos superiores. Muitos destes jovens são naturalmente provenientes de famílias com qualificações muito mais baixas do que as suas.

Voltando aos dados que hoje nos ocupam, é possível verificar que existem 176 agrupamentos, com 3.º ciclo, inseridos em meios desfavoráveis mas que conseguem ter alunos cuja média foi de pelo menos cinco pontos superior à média obtida por escolas com características similares.

Estas são as escolas que contribuem ativamente para melhorar a escolaridade dos seus alunos e têm de ser elogiadas, acarinhadas e estudadas. Temos de compreender em profundidade o que fazem para combater a adversidade, e divulgar estas boas práticas pelas escolas cujos alunos continuam a bater na parede do insucesso. Cada escola tem obrigação de refletir e procurar desenvolver soluções que possam funcionar no seu meio, com os recursos que lhes são disponibilizados. Como me disse um diretor de um agrupamento que desde 2003 procura combater o insucesso, melhorando o ambiente escolar e as aprendizagens, “nós temos autonomia e meios suficientes para fazer diferente, as escolas só têm que saber utilizá-los”.

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Em conclusão, toda a informação sobre o funcionamento das escolas é útil, mas temos de ir além dos resultados. Conhecer os contextos económicos e sociais, as práticas pedagógicas, a organização de tempos e espaços letivos, as práticas de gestão e de motivação de professores, alunos e comunidade educativa são fatores com tanta ou maior importância. Há que saber utilizar e tratar a informação, e devolvê-la à comunidade educativa para que possamos continuar a ter um sistema de educação cada vez melhor e mais abrangente. Os rankings fazem parte dessa recolha de informação, que cada vez mais é utilizada não para atribuir medalhas, mas para dotar os decisores e utentes de vários ângulos de visão.

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