Para uma leitura dos rankings de escolas

Nem a educação é um mero produto, nem o processo de aprendizagem se reduz a um mero número.

Há muitos modos de olhar para os resultados escolares. Para o caso dos resultados referentes aos ensinos básico e secundário, tanto de escolas privadas, quanto de públicas, há a tendência, generalizada nos últimos anos, de aceitar imagens predominantemente estatísticas, no pressuposto que há uma cultura de prestação de contas a ser valorizada e que só através dela será possível avaliar “objetivamente” o sucesso escolar.

Se uma imagem pintada a números de uma qualquer escola, seja na escala de 0 a 20, seja nos grupos de nível de 1 a 5, pode descrever, com rigor estatístico, os resultados dos alunos em provas internas e em exames, há uma situação que não permite seguir: a compreensão desses resultados face a um conjunto complexo de variáveis, numa análise de casos e situações que não são susceptíveis de ser generalizados, pois nem a educação é um mero produto, nem o processo de aprendizagem se reduz a um mero número.

A busca da excelência escolar é algo que precisa de tornar-se num desígnio social, sem a preocupação de atribuir “ganhos” e “perdas” ou de buscar “vencedores” ou “vencidos” quando os bons ou os maus resultados, por exemplo, de exames nacionais ou mesmo de testes internacionais, caso do PISA, são anunciados.

A elaboração de rankings de escolas, em Portugal, tem contribuído para três aspetos principais: reduzir os resultados a números, ignorando-se o processo de aprendizagem; estreitar a escola num core curriculum, com a hierarquização de disciplinas; cavar o fosso entre público e privado, como se de um lado estivesse o bom ensino e do outro o mau ensino.

A discussão do sucesso escolar na base da dicotomia público/privado não faz qualquer sentido, porque quase tudo é diferente, excepto o currículo nacional. Quem conhece por dentro a escola pública portuguesa pode afirmar que não só é de qualidade, como também é inclusiva, com progressos notáveis, nas últimas décadas, ao nível do apoio aos alunos. Os dispositivos criados para apoiar os alunos com dificuldades de aprendizagem é algo que não tem sido devidamente valorizado. Leiam-se, por exemplo, os relatórios de avaliação externa, disponibilizados na página web da IGEC, de 2006 a 2016, e constate-se o que se tem escrito na prestação do serviço educativo.

Devido à premência de conceitos transnacionais, já muito identificados e estudados em diversas áreas do conhecimento, as políticas educativas e curriculares têm promovido o estreitamento do currículo a partir de determinadas disciplinas, não muito longe dos saberes que são testados internacionalmente e que facultam a comparação entre países. Por mais fundamental que seja a aprendizagem dos alunos em matemática, ciências e leitura (língua portuguesa), há outros mundos curriculares que os alunos necessitam de habitar, sendo de criticar o que tem acontecido nos últimos anos, em Portugal, sobretudo com a desvalorização da formação social e pessoal.

Conhecer os resultados escolares através de números, a partir de classificações obtidas interna e externamente, é algo que não pode ser negligenciado, não sendo apenas aceitável que seja a única fonte para avaliar a qualidade de uma escola. Metaforicamente, os resultados de provas internas ou de exames dão consistência à parte visível de um icebergue, correspondendo a sua parte submersa aos processos significativos de aprendizagem. Os últimos anos da escola portuguesa foram marcadamente quantitativos, com a elaboração de rankings a partir de classificações obtidas em provas (ensino básico) e exames (ensino secundário). Para além dos resultados em si, sempre apresentados na dicotomia público/privado, tem sido analisada quer a distância da classificação externa em relação à classificação interna, quer a distância da classificação de uma escola para a classificação da média nacional.

E os resultados de 2016 mais uma vez são esclarecedores. Num universo de 626 escolas do ensino secundário, com exames a oito disciplinas, numa percentagem de 80,5% para o público e de 19,5% para o privado, os resultados indicam que as diferenças não são muito significativas nestes indicadores: classificação média de exame (público: 10,07; privado:11,35); nota mínima de exame (público: 1,19; privado:2,30); nota máxima de exame (público: 19,95; privado:18,9); classificação interna de frequência (público: 13,39; privado:14,49); diferença da classificação interna de frequência para a média nacional  (público: 3,06; privado:2,70).

Esta situação tem gerado algumas decisões que necessitam de ser ponderadas. Por um lado, discutir situações em que escolas não levam todos os alunos a exame, com receio que os “piores” alunos estraguem a média das classificações, havendo práticas, já referidas em estudos de investigação, de levar os alunos a anular a matrícula no final do 2.º período letivo; por outro, casos – e muitos, por vezes praticados de modo involuntário, se bem que noutros seja de forma deliberada – de atribuir uma classificação interna mais elevada de modo a proteger os alunos de uma classificação externa mais baixa.

Em Portugal, os rankings têm dito – e continuarão a dizê-lo – que os resultados das escolas privadas são melhores que os das escolas públicas. Correto e incontestável em termos de frequências absolutas. Todavia, aceita-se uma comparação impossível, existindo fatores facilmente reconhecidos por cada leitor deste texto. Em busca de uma mera probabilidade explicativa, seria interessante saber qual a percentagem de alunos que, depois de terem completado o 9.º ano ou quando frequentam o ensino secundário, pedem transferência para o ensino privado.

A elaboração e divulgação de rankings compõem uma imagem em números. Como o disse anteriormente, esse não será o melhor procedimento para avaliar o processo de aprendizagem, de forma a obter-se uma imagem qualitativa da escola. São, agora, fornecidos dados, ainda que estatísticos, que podem ajudar a compreender a qualidade do sucesso escolar, como é o caso do indicador da progressão dos resultados dos alunos por escola e do indicador global dos percursos diretos de sucesso.

Há, assim, dados de contexto que são imprescindíveis para compreender como certas escolas melhoram e outras não, como alunos oriundos de meios socioeconómicos desfavorecidos têm melhores resultados face a outros alunos e de que modo a escola funciona como espaço de promoção do sucesso educativo, que não se cinge apenas aos resultados escolares. Ainda em estudos realizados, sabe-se que o valor acrescentado (de natureza interna, ligado a fatores da escola, por exemplo, professores e dispositivos de apoio) nem sempre é congruente com o valor esperado (mais centrado em dados de natureza socioeconómica dos alunos e de seus pais e encarregados de educação), pelo que os resultados se devem a muitos e complexos fatores. Seria fantástico se, numa qualquer engenharia escolar, fosse encontrado o algoritmo do sucesso, mas isso não acontece porque as escolas são espaços de educação e formação, com realidades diferentes, e as salas de aula são locais essencialmente pedagógicos.

Na questão dos percursos diretos de sucesso dos alunos do 3.º ciclo do ensino básico, e num universo de 1085 escolas, os dados indicam que os percursos diretos dos alunos (com classificação positiva nas duas provas do 9.º ano e sem retenção nos 7.º e 8.º anos de escolaridade) estão tanto nas escolas públicas, quanto nas escolas privadas. Aliás, no cálculo de 10% das escolas com melhores resultados, ou seja, número de pontos percentuais que se situam acima da média nacional, há 58 escolas públicas e 51 escolas privadas, ambas situadas no intervalo de 25,9% a 9,1%.

Este indicador é claro no sentido de dizer que a excelência escolar existe de igual modo no público e no privado. Numa análise mais fina destes resultados, e tendo em conta a distribuição por distritos, verifica-se que das 109 melhores escolas, citando-se apenas as mais representativas, 21 situam-se em Lisboa (17 privadas e 4 públicas), 20 no Porto (16 privadas e 4 públicas), 17 em Braga (6 privadas e 11 públicas), 12 em Coimbra (2 privadas e 10 públicas) e 7 em Setúbal (4 privadas e 3 públicas). Quer dizer, assim, que a litoralidade dos resultados é bem evidente, como tem sido analisado em diversos estudos.

No sentido inverso, e ainda no indicador relativo ao percurso direto dos alunos do 3.º ciclo do ensino básico, os 10% das escolas com piores resultados, situadas entre -8.6% e -34,9%, isto é, abaixo da média nacional, 101 são públicas e 8 privadas, com a seguinte distribuição por distrito, a partir dos casos mais representativos: Lisboa (27); Porto (22); Viseu (9); Braga (7); Leiria (8) e Aveiro (5).

É para as escolas onde os percursos diretos dos alunos não são bons, isto é, entre 0,00% e -34,9%, representando 558 escolas (51,4%), sendo 527 públicas, que se torna necessário olhar de uma forma mais sustentada, na procura de compreender os contextos que as caracterizam e na implementação de estratégias de promoção do sucesso que poderão ser as mais adequadas.

Em termos de cálculo de percentis, e focando-se o quartil mais elevado, os dados sobre a progressão dos alunos entre o 9.º ano e o 12.º ano, de 2012/13 a 2014/15, num universo de 549 escolas, indicam que isso somente acontece em sete escolas, sendo cinco privadas e duas públicas. O mesmo indicador, do 6.º ao 9.º ano, num universo de 1149 escolas, nos anos letivos 2014/15 e 2015/16, revela que há 15 escolas, de entre as quais sete privadas e oito públicas.

Estes dados traduzem que há não só um longo caminho a percorrer, sendo fundamental que cada escola organize e implemente dispositivos de apoio pedagógico aos alunos com dificuldades de aprendizagem e que potencialize a consolidação e o desenvolvimento de aprendizagens.

Esta é, como revelam estudos sobre os resultados PISA, uma questão que merece a maior atenção, pois as taxas de retenção e desistência são elevadas no sistema educativo português. De acordo com o Relatório Retenção Escolar nos Ensinos Básico e Secundário, do Conselho Nacional de Educação, publicado em 2015, e tendo em conta os dados de 2012/13, havia 12,8% de retenção e desistência, sendo um fenómeno mais sentido nas escolas públicas (13,3%) que nas escolas privadas (7,6%). Esta situação agrava-se mais quando se toma em análise os dados referentes ao ensino básico (10,8%) e ao ensino secundário (19%), observando-se que a retenção (e desistência) se acentua nos níveis superiores de escolaridade.

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