Para lá dos exames

Os resultados nos exames nacionais têm um papel bastante menor do que aquilo que se esperaria na explicação do sucesso académico dos alunos no ensino superior.

Os exames nacionais desempenham um papel central na maioria dos indicadores de avaliação de escolas actualmente utilizados em Portugal. Consequentemente, as escolas têm encetado esforços no sentido de melhorar os resultados dos seus alunos nos exames nacionais, conseguindo assim progredir nos rankings. Ao mesmo tempo, as famílias também avaliam as escolas com base nos rankings, tendo estes um papel significativo nos momentos de tomada de decisões.

Não podemos, contudo, esquecer que os rankings construídos com base nos exames nacionais são apenas uma parte de um todo bem mais complexo que constitui o processo educativo. A missão de uma escola não é, nem pode ser, preparar alunos para os exames nacionais. Para medir as várias missões da escola, são necessários indicadores complementares que mostrem o restante trabalho das escolas. Nesse sentido, o Ministério da Educação (ME), através do seu site Infoescolas, e o PÚBLICO têm disponibilizado, a par dos rankings, outros indicadores como as taxas de sucesso, de aprovação/conclusão e de abandono precoce. Em 2014, o PÚBLICO cruzou as taxas de conclusão com as médias de exames (infelizmente para agrupamentos e não para escolas, pois o ME não disponibilizou os dados de forma desagregada), e em 2015 cruzou as taxas de retenção em cada ano de escolaridade com as médias dos exames, por escola.

Estando já bem estabelecida a necessidade do uso de vários indicadores para obter uma perspectiva abrangente do desempenho das escolas, a escolha das métricas mais adequadas para cada nível de ensino é um tema cuja reflexão ainda não tem sido muito aprofundada. Por exemplo, no caso do ensino secundário, as classificações nos exames são um indicador de extrema importância para as famílias e alunos, pois têm um papel determinante no cálculo da média de candidatura ao ensino superior. Se é certo que, no curto prazo, a promoção de métodos de ensino conducentes a bons resultados nos exames nacionais é um objectivo crítico para as escolas e estudantes, a questão que também se deveria colocar é se, no longo prazo, os métodos seguidos pelas diferentes escolas são igualmente eficazes na preparação dos estudantes para percursos universitários de sucesso.

Para responder a esta questão podemos usar um conjunto de indicadores, relacionados com o percurso dos alunos pós-secundário que não são recolhidos pelo ME (até porque o ensino superior e o secundário reportam a ministérios diferentes), mas que são de extrema importância. Utilizar estes indicadores reflecte uma mudança de perspectiva: avaliar as escolas na forma como preparam os alunos para um bom desempenho no futuro, em vez de serem avaliadas na forma como os preparam para os exames.

Um estudo recente feito com alunos que entraram em duas faculdades do Porto em 2013 e 2014 mostra que as escolas que preparam bem os alunos para os exames nacionais (i.e. escolas em que a classificação média de entrada dos estudantes no respectivo curso é das mais elevadas) não coincidem com as escolas cujos alunos tiveram dos melhores desempenhos no decurso do primeiro ano no ensino superior. Este estudo será um capítulo de um livro (editado por Jan Vanthienen e Kristof De Witte) a publicar em breve pela Taylor & Francis, com título Data Analytics Applications in Education.

Públicas à frente

Os resultados obtidos mostram que é importante trazer esta dimensão adicional, relativa à promoção do sucesso académico no percurso universitário dos estudantes, para a avaliação das escolas ao nível do ensino secundário. Este caminho já foi proposto em 2014, num estudo da Reitoria da Universidade do Porto (Cabral e Pechincha, 2014, Análise do Percurso dos Estudantes Admitidos pelo Regime Geral em Licenciatura — 1.º ciclo e mestrado integrado na Universidade do Porto em 2008/09, 2009/10 e 2010/11, disponível aqui), em que se analisou o percurso dos alunos no ensino superior e a sua escola de origem.

Em ambos os estudos se conclui que o tipo de escola de proveniência dos alunos tem impacto no seu desempenho no ensino superior, e, em termos médios, as escolas públicas têm demonstrado ser melhores neste indicador. No estudo da Reitoria da Universidade do Porto foi feito um ranking das escolas secundárias com base no critério "percentagem de alunos colocados no 'top 10' das universidades". Neste ranking os primeiros lugares foram maioritariamente ocupados por escolas públicas, embora algumas privadas se destacassem também nos lugares cimeiros.

No caso do nosso estudo, foi feito um ranking das escolas secundárias com base no número de ECTS (créditos cujo número se relaciona com o número de disciplinas feitas), no percentil de classificação do aluno no fim do primeiro ano no ensino superior (ano em que o impacto da escola de origem é mais relevante), e com base na percentagem de alunos que a escola coloca entre os mais bem classificados do curso. Este ranking alternativo revela muitas surpresas face aos rankings a que estamos tradicionalmente habituados. As escolas nos lugares cimeiros não são necessariamente aquelas que apresentam as melhores médias nos exames do secundário e encontramos muitas escolas públicas nos lugares de topo, contrariamente aos rankings que se baseiam na média de exame onde as escolas privadas dominam.

Regras injustas

Assim, apesar de este estudo ter usado uma amostra reduzida (com apenas duas faculdades no Porto) e de analisar exclusivamente o percurso académico no primeiro ano, permite mostrar que os resultados nos exames nacionais e as classificações finais do ensino secundário têm um papel bastante menor do que aquilo que se esperaria na explicação do sucesso académico dos alunos no ensino superior. Mais do que isso, mostra que alunos que, à partida, poderiam ser considerados como tendo menos potencial de sucesso no ensino superior, por terem médias de entrada nos cursos mais baixas, podem ter um desempenho bastante acima do expectável. Em termos de grandes números, são os alunos provenientes de escolas públicas que mostram mais este comportamento.

Tais resultados levantam inevitavelmente um conjunto de questões/reflexões: (1) a comparação entre escolas não se pode basear apenas numa perspectiva de avaliação – a perspectiva de preparação para exames parece ser distinta da perspectiva de preparação para o ensino superior; (2) os critérios actuais de entrada no ensino superior parecem promover injustiças e deixar de fora (ou em segundas ou terceiras escolhas) alunos cuja prestação académica poderia ser melhor do que a de uma grande percentagem dos alunos que entraram num dado curso.

Será ainda importante, e é nosso objectivo, alargar a amostra do estudo e eventualmente analisar se este fenómeno é semelhante nas várias faculdades e regiões do país. Será interessante perceber se a escola de origem tem um impacto idêntico em todos os cursos, ou se, pelo contrário, há cursos onde o impacto da escola de origem poderá ser mais forte.

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