Irlandês que pagou monumento com cheque careca "foi enganado"

Licitou em hasta pública um edifício histórico em nome de uma sociedade de que julgava fazer parte. Agora tem dúvidas da sua existência pois nunca viu qualquer documento que o prove.

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DAVID MACHADO

Depois de ter passado um cheque no valor de 27.900 euros para pagar a caução de 10% do preço global da licitação que tinha arrematado sobre um edifício em Estremoz que está classificado monumento nacional, a casa do Alcaide-mor, o cidadão irlandês John Ryan diz ter ficado perplexo quando soube que, afinal, (o cheque) não tinha cobertura. E assume que foi enganado por Rui Fernando da Silva Zenha, natural do Porto, que se apresenta com sendo advogado. Este, por sua vez, devolve a acusações, apelidando o irlandês de mentiroso.

Primeiro, a perplexidade dos responsáveis autárquicos que enviaram vários ofícios ao faltoso para que regularizasse a situação. Depois, a surpresa do cidadão irlandês, “o primeiro a lamentar todo o ocorrido”, explicou ele na resposta que apresentou junto da autarquia e a que o PÚBLICO teve acesso. “A questão, prossegue o cidadão irlandês, teve origem com a entrada, "num momento muito particular" da sua vida, de Rui Zenha.

E conta que este lhe apresentou uma proposta muito sedutora: fazer parte da sociedade Iris Holding Group, com promessas de negócio que envolviam um investimento de quatro milhões de euros em Estremoz. “Convenceu-me e eu entreguei-lhe dois mil euros para despesas”, acrescenta John Ryan, sem que alguma vez tivesse subscrito qualquer capital numa sociedade em que Rui Zenha se apresentava como sócio maioritário.

O deputado do Bloco de Esquerda Jorge Campos, num requerimento apresentado na Assembleia da República no dia 23 de Junho, descreve que a “Iris Holding Grou é juridicamente uma corporação com sede nos Estados Unidos da América, com residência jurídica no paraíso fiscal do Delaware". Foi criada a 26 de Agosto de 2015, e, segundo a deliberação da câmara, tem sucursal em Estremoz.

No entanto, a empresa não tem qualquer informação publicada ou acessível e, investigando a sua morada no Google Maps, “percebe-se que este endereço coloca a sede numa residência habitacional no Delaware e, por sua vez, a sucursal em Estremoz localiza-se num edifício devoluto onde não se conhece actividade”, realça Jorge Campos.

"O nome verdadeiro da Iris Holding Group é Corporate Consulting Ltd. mas esta, por sua vez, representa 3696 outras empresas segundo esta base de dados. É uma gigantesca corporação, só não se percebe que negócio faz ou não faz", acrescenta o deputado do Bloco.

Com um processo judicial em tribunal movido pela Câmara de Estremoz, pelo incumprimento das obrigações a que está sujeito por ter arrematado um monumento nacional, o irlandês tem hoje dúvidas “se tal sociedade tem efectivamente existência legal” pois Zenha “nunca entregou qualquer documentação” que o comprovasse.

Diz ter sido “instigado” a agir em nome da referida sociedade. "Foi por instruções telefónicas (de Rui Zenha) que licitei e emiti cheque da minha conta pessoal para a caução de 10% do preço”, revela, alegando que o advogado lhe tinha garantido que o cheque “seria pago ou substituído em tempo útil”.

Depois dos incidentes ocorridos, John Ryan diz não ter qualquer dúvida que foi “enganado e manipulado pelo referido Rui Zenha, que estrategicamente se ausentou de Estremoz na semana da hasta pública.”

Contactado pelo PÚBLICO, Rui Zenha garantiu que “só por mero acaso” esteve em Estremoz na semana e dia da adjudicação e que até trocou, "momentos após a arrematação, um efusivo abraço” com o presidente da câmara “ na presença de um confabulador e mentiroso por compulsão… de nome John Joseph Ryan … ou se quiser, também Sean O´Rain!!!”

O autarca de Estremoz, Luís Mourinha, confirmou ter cumprimentado Rui Zenha, como faz com toda a gente que o cumprimenta, "mas não foi nada efusivo”.

O advogado recusa-se a fazer comentários a questões nas quais sente a sua honra "ultrajada por quem terá um passado comercial tristemente público”, embora adiante que não tinha, antes deste episódios, conhecimento disso

E termina com o que diz ser “uma reflexão” que o orientou a partir da data em que conheceu “as intenções de um irlandês em 'dificuldades': Não bastava 'alguns' dos que cá nasceram… e ainda nos chegaram 'outros' em busca de fortuna fácil.” 

Por seu lado, o presidente da Câmara de Estremoz, Luís Mourinha, classifica Rui Zenha como um “vigarista profissional que aparece em Estremoz a conduzir um Porsche e com matrícula diplomática”, referindo que este apresenta a cédula de advogado quando entra em restaurantes “e depois não paga” a despesa feita. “ É tudo laranja do chão”, comenta, irónico, o autarca.

Quem fica a arcar com os encargos “é o irlandês que já accionou um processo judicial contra Rui Zenha a reclamar o pagamento de 10 mil euros”, acrescenta o autarca, acentuando que a Iris Holding Group, a empresa que arrematou a hasta pública da casa do Alcaide-mor, “é uma daquelas feitas à pressa”.

Enquanto decorre o procedimento criminal instaurado pela Câmara de Estremoz contra John Ryan, o município está a preparar o lançamento de uma nova hasta pública para vender a casa do Alcaide-mor. A que foi arrematada pelo cidadão irlandês foi anulada e entretanto a outra hasta pública que teve lugar no dia 28 de Outubro, com uma base de licitação de 250 mil euros, ficou deserta. Luís Mourinha disse ao PÚBLICO que teve dois interessados “mas nenhum licitou, certamente à espera que o preço baixe”. Assim, na próxima licitação que ainda não tem data, o valor base baixa para 150 mil euros. “Mas vamos ser mais selectivos e obrigar os licitadores à apresentação de um caderno de encargos para sabermos o que pretendem fazer da Casa do Alcaide-mor”, afirmou.

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