The OA é uma série de que tipo? Isso é parte do segredo

Stranger Things foi um sucesso-surpresa e o Netflix quer mais. Uma nova série-mistério estreia-se esta sexta-feira com uma protagonista-autora e produção de Brad Pitt.

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The OA saltita entre géneros e afia ferramentas de vários dicionários visuais dr

Há qualquer coisa em The OA e na forma como aterra, esta sexta-feira e de surpresa, no Netflix em todo o mundo, que faz pensar em Stranger Things. E há qualquer coisa em The OA que faz pensar em Mulder e Scully nos Ficheiros Secretos em busca do inexplicável, na espiritualidade de The Leftovers mas, sobretudo, na forma como um rosto e uma voz podem ser um íman. É qualquer coisa como Brit Marling, autora e protagonista desta série-mistério produzida por Brad Pitt em que uma cega volta a ver e as histórias são os nutrientes de um grupo de adolescentes. É uma série de que tipo? Isso é parte do segredo.

Brit Marling tem 33 anos e saiu de uma carreira no poderoso banco de investimento Goldman Sachs para se tornar membro da tribo do festival de Sundance com um filme premiado e agora do clube Netflix, onde por vezes surgem séries aparentemente do nada, como foi o caso de Stranger Things, no último Verão. The OA é fruto da estrutura de produção do serviço, que tem sido profícuo nas encomendas e, dizem os seus beneficiários, palco de liberdade criativa, mas também de um momento em que o mistério é tão difícil de manter quanto de resistir.

Se tudo na cultura actual por vezes parece ter sempre uma filiação ou um eco de fenómenos passados, The OA – e não, não se pode explicar o que significa esta sigla – é um absoluto original. Brit Marling, outra original, não refere séries, filmes ou livros como fonte da sua inspiração. Fala do mundo, de perguntas, de crescer no século XXI. “Os desafios da maioridade agora são particularmente tensos. Alguma coisa ficou desamparada, os velhos valores perderam fundamento, o consumismo é vazio e a ideia tradicional e linear do que é o sonho americano descarrilou ou não funciona. Como é que se amadurece se não se sabe para onde se vai e porquê?”, suspira ao PÚBLICO.  

Mas apesar de ser uma produção original, às vezes é preciso recorrer ao contexto ou aos títulos cujas réplicas se sentem na cultura recente para descrever The OA. Uma série que começou a ser falada há um ano como uma espécie de caixa-mistério só com ficha técnica – projecto de Marling e do seu habitual comparsa, o realizador e co-autor e argumentista Zal Batmanglij, produzida por Brad Pitt e pela sua Plan B – e a promessa de negrume e segredos. Mais nada, até há dias.

A sua imagética real e onírica, que toca desde o científico ao celestial do Tumblr, passando pelo sobrenatural, só foi dada a conhecer na segunda-feira com uma conta de Instagram, de Twitter e, depois, um trailer. Uma mulher, Prairie, salta de uma ponte. É resgatada. Estava desaparecida. Era cega e recuperou a visão. Encontra família, vizinhos e amigos inesperados de várias dimensões. Tem a cabeça cheia de histórias. 

“Agarramo-nos à ideia de uma identidade e de uma personalidade sólida porque nos ajuda a encontrar sentido no caos que é estar vivo”, reflecte Brit Marling sobre o seu próprio percurso de vida, em que se mudava muitas vezes, e começou a ver a identidade como um conceito efémero. Agora, “The OA é uma história sobre desvendar de identidade, é como uma matriosca com tantas lá dentro, tentando chegar à base de quem é The OA”, e aqueles que gravitam em torno de... The OA.

Esta é também uma série sobre a qual pouco se pode dizer sem desembrulhar a prenda antes do Natal. Saltita entre géneros, afia ferramentas de vários dicionários visuais, e tem e vem de Brit Marling, que rumina as perguntas que lhe chegam ao telefone.

O New York Times já se interrogou sobre o seu sucesso em Hollywood “apesar de ser mesmo bonita”, e o Daily Beast chamou-lhe “anti-it girl”. Ela abordou a sua carreira criando os seus próprios projectos e actuando neles, encantando-se agora, depois de um ano em Cuba a fazer um documentário e das experiências no cinema indie, com “o formato longo”, em que “não há regras. A história é rainha, e pudemos fazer o que a história exigia – alguns capítulos têm mais de uma hora, outros menos, são o que precisavam de ser. O ADN é muito mais do romance” do que da TV em serviços como o Netflix, defende. A forma é tão importante quanto o conteúdo, que desenvolveram detalhadamente. 

“Passámos uns bons três anos a contar a história um ao outro [ao realizador e co-autor e argumentista Zal Batmangli], a criar um mistério e a resolvê-lo para o final da primeira temporada e, possivelmente, se tivermos essa sorte, para a segunda temporada”, explica. Queriam muito fazer "slipstreaming de géneros. É uma palavra com que me cruzei e que descreve a ficção em que há um movimento sem costuras entre romance e coming of age, sci-fi, horror...”, exemplifica.

E as mais de oito horas de The OA deram-lhe a possibilidade de “inventar as regras do mundo” e depois “brincar nesse mundo”, nesse “espaço fantástico”. Onde vai contar a sua história, ou a de Prairie, a protagonista que só precisa de wi-fi depois de uma experiência quase-morte ou da ajuda de jovens estranhos, que a ouçam e que recebam “um alimento que lhes falta na sua vida”. 

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