O dia em que Star Wars se tornou mesmo um franchise

A partir de Rogue One, que chega esta quinta-feira às salas, passa a haver uma dose anual da saga. Perde-se a magia? O vice-presidente da Lucasfilm e o autor de Fanboys ajudam a responder.

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Em 1977, o primeiro Star Wars era uma queda livre num mundo onde já estava tudo em fluxo. Havia uma rebelião, um Império e uma história cheia de detalhes à solta, que existiam para além dos espectadores. Agora, com Rogue One, e tal como em 1977, só sabemos que nada sabemos – excepto o fim da aventura. O novo filme pega num ingrediente essencial para o desfecho do filme original e conta com isso para fazer pontes. Mas é sobretudo o primeiro filme independente da saga Star Wars, e aquele com que Star Wars se torna oficialmente um franchise do século XXI – a partir de agora, e pela primeira vez na sua história, passa a produzir um novo filme todos os anos.

É o oitavo filme Star Wars, mas não é o episódio VIII. Esse é só para 2017. Os sete filmes Star Wars, os primeiros três lançados entre 1977 e 1985 e os segundos entre 1999 e 2005, pertencem a uma mesma linha – a genealógica, seguindo a história da família Skywalker e as suas deambulações de poder pela galáxia. Há um ano, essa linha ressuscitou com O Despertar da Força, um dos filmes mais rentáveis de sempre e o mais lucrativo de 2015. Estão confirmados mais dois desta nova leva, sempre sobre os Skywalker, mas está também confirmada a novidade dos filmes stand alone, ou spinoffs. Ou simplesmente filmes de uma História Star Wars que não directamente relacionada com Anakin, Luke ou Leia e sua prole.

Apostando forte nesta fábula espacial transgeracional, o império Disney contra-ataca, fazendo render os quatro mil milhões de dólares que pagou pela Lucasfilm e seus títulos em 2012, e continuando a pilhar a paixão consumada de dezenas de milhões de fãs em todo o mundo. Rogue One “pode ser uma verdadeira apresentação de todo o franchise" para pessoas que ainda não o acompanhavam, admitiu estrategicamente Kathleen Kennedy, antiga braço direito de George Lucas, criador da saga, e agora presidente da Lucasfilm. A Disney vê assim Rogue One, parte de uma família alargada em que convive com a Marvel Studios, de onde vêm os filmes que mais dinheiro fizeram na última década.

Como os super-heróis ou os magos de J.K. Rowling, e no tempo em que tudo é franchise, em que muita televisão e cinema é remake, reboot ou outro qualquer regresso, Star Wars não se limita a continuar. Expande-se, qual universo, em várias galáxias temáticas, porque depois de nos ter levado a planetas-deserto, a planetas gelados ou a planetas luxuriantes, porque não ter stormtroopers num atol paradisíaco de águas turquesa?

Mas será que o filme vai ser tudo o que uma década de míngua, primeiro, e ansiedade, depois, tornou O Despertar da Força num sucesso mundial, junto da maior parte dos fãs, e de muita da crítica? “Não sei, nem sequer quero tentar adivinhar”, admite rapidamente Doug Chiang, vice-presidente da Lucasfilm e um dos directores de arte de Rogue One. “Eu sei que vou gostar porque estamos a fazer estes filmes para fãs como eu, mas é difícil antecipar”, dizia ao PÚBLICO em Setembro, quando veio a Portugal para a conferência Trojan Horse was a Unicorn. Os primeiros dados apontam para uma estreia retumbante nas bilheteiras, ainda que a umas centenas de milhões de euros de distância de O Despertar da Força, o primeiro filme Star Wars numa década, e o pioneiro da era pós-Lucas.

E se o filme não prestar?

Star Wars teve sempre uma certa magia – o primeiro filme da trilogia original foi uma surpresa e um marco para todo o cinema (para o bem e para o lado negro) e o regresso com novo trio de filmes, em 1999, foi tão esperado que milhões de americanos faltaram ao trabalho para ir ver A Ameaça Fantasma. Muito se escreveu sobre o que mudou em 1977. Um livro, e depois um filme, foram também escritos sobre a Primavera de 1999.

Fanboys, um livro de Ernest Cline (e um filme de Kyle Newman de que Ernest Cline não gostou lá muito), é sobre um grupo de amigos unidos pelo seu amor de fãs a Star Wars. Uma demanda que os leva a tentar ver, antes de todos, A Ameaça Fantasma. Para isso, têm de ir até ao mítico rancho Skywalker, o Santuário de Fátima dos fãs onde George Lucas vive e faz raras aparições – “solo sagrado”, disse há dias no local o realizador de Rogue One, Gareth Edwards. Foi ali, no âmbito de uma campanha promocional menos ambiciosa do que a de O Despertar da Força, que a Lucasfilm e a Disney reuniram há dias jornalistas, bloggers e podcasts para mostrar meia hora do novo filme.

Fanboys – alerta de spoiler nesta linha – termina com a pungente pergunta “e se o filme não prestar?”. É uma pergunta que ressoaria entre os espectadores de A Ameaça Fantasma, como se milhões de vozes gritassem de terror e fossem subitamente silenciadas. É uma pergunta a que se pode seguir outra, 18 anos depois: entrando no território da sequência industrial anual, não há o risco de o fenómeno Star Wars perder a sua magia, depois de ter sido servido a conta-gotas ao longo de 40 anos? “Adorei O Despertar da Força e estou ansioso por Rogue One”, diz desassombrado ao PÚBLICO Ernest Cline, autor de Fanboys e do livro Jogador 1, editado este ano em Portugal pela Presença.

Escreveu profusamente nos seus romances sobre a experiência de ser fã, e é fã de Star Wars, um dos principais cultos das últimas décadas. “O franchise parece estar nas mãos de pessoas que também são fãs”, prossegue Cline por email, “e desde que estes novos filmes sejam feitos com respeito e amor por Star Wars, acho que vai sempre haver magia – independentemente de quantos filmes forem feitos”. Há planos para uma história com o jovem Han Solo e Rogue One chega como uma história mais uma vez protagonizada por uma jovem mulher, desta feita Felicity Jones como Jyn Erso, que num teaser do filme dizia: “Isto é uma rebelião, não é? Eu rebelo-me." Com ela vêm também Diego Luna (Cassian Andor, um piloto da rebelião), Riz Ahmed (o piloto Bodhi Brook) ou Mads Mikkelsen e Forest Whitaker. Todos desempenham um papel numa história em que um grupo de rebeldes tenta roubar os planos que hão-de permitir, no Episódio IV de 1977, encontrar um ponto fraco na estação de combate Estrela da Morte, esfera assassina de mil fundos de desktop e t-shirts de fãs. 

Para várias gerações

A história é tanto um conto independente quanto uma aposta segura – pega no que já existia na versão mais amada desta galáxia e junta-lhe novos dróides, etnias e efeitos. As primeiras críticas dividem-se entre a hipérbole e o arraso, falando de um filme mais "adulto", "negro" ou "aborrecido". Mas "a crítica mais importante" já foi divulgada, depois de, na antestreia do fim-de-semana passado, as reacções dos convidados em Los Angeles terem sido tão entusiásticas quanto as suscitadas por O Despertar da Força. “Mostrámos o filme ao George”, contou o realizador de Rogue One em pleno Rancho Skywalker, “e posso dizer com honestidade que já posso morrer feliz”. George, de seu nome Lucas, “é como Deus”, disse Gareth Edwards. E é por isso que Star Wars resistirá à perda de magia, defende Doug Chiang.

“George criou Star Wars para várias gerações”, recorda o vice-presidente da Lucasfilm, que chefiou o departamento de arte dos filmes de 1999 e 2003, trabalhou em O Despertar da Força e ganhou um Óscar. “A trilogia IV, V e VI apela à geração adulta, à minha geração. Os episódios I, II e III agradam a uma mais jovem e a série de animação Clone Wars agrada a mais outro segmento. E no entanto toda a história é um universo coeso”, defende Chiang, fazendo o seu papel corporativo. Mas também diz, nesta empreitada com um olho no box office e outro na comunidade: “Estamos a fazer estes filmes para fãs como eu."

Edwards, realizador britânico do indie Monsters (2010) e do reboot de Godzilla (2014), ambos elogiados, não terá tido uma vida fácil na produção do filme. É outro fã, alguém que nasceu em 1975 e se tornou realizador por causa de A New Hope. Aceitou esse número de malabarismo que é tentar fazer algo dentro da gramática Star Wars sem papaguear na língua de Lucas. Quis fazer “uma abordagem mais realista, ligeiramente Segunda Guerra Mundial, a Star Wars”, disse ao site Vulture. E também “representar o resto do mundo” em termos de etnias e géneros no elenco. Um filme de guerra, com os primeiros storyboards a irem beber directamente ao Vietname, à Segunda Guerra e à Guerra do Golfo.

Entretanto, a produção foi assombrada por relatos de revisões e até de um novo final, após a entrada em cena do realizador e argumentista Tony Gilroy (filmes Bourne, Michael Clayton) para podar histórias, voltar a filmar algumas cenas e acrescentar outras. “O alcance do filme aumentou” e partilharam trabalho nesta recta final, disse Edwards, tentando desmontar rumores de que a Disney pediu uma intervenção. Disse ao Los Angeles Times que acabou a sentir-se como uma das personagens – "fingem que uma [das suas tarefas impossíveis] é roubar a planta da Estrela da Morte, mas a verdadeira é fazer um óptimo filme Star Wars" – e que Rogue One "incorpora um estilo de documentário", mais propenso a essa revisão colaborativa.

A música já não é de John Williams, mas de Michael Giacchino (Perdidos, os novos Star Trek, Divertida-Mente), e tudo será sobretudo novo. Menos Jedi, mais batalhas armadas, Darth Vader, mas não muitas mais peças do vocabulário da série. Por ser uma história independente, o filme teve "licença para ser um bocadinho diferente", disse Edwards. Para os mais empenhados, as bases estabelecem-se no livro Rogue One: Catalyst, que acompanha o filme.

Pelos seus ingredientes, “Rogue One é mais do que só um spinoff. É uma tentativa de fazer a ponte entre gerações, dentro e fora do ecrã”, escreve Darren Franich na Entertainment Weekly. Para o realizador, é o tudo ou nada. Porque "não há como fugir a Star Wars", constata Gareth Edwards. E se Rogue One tiver sucesso criativo e comercial (as vendas de bilhetes para os primeiros dias são milionárias e houve um repentino entusiasmo em torno do filme nos últimos dias depois de meses de muito menos falatório do que com O Despertar da Força), “deveria dar ao estúdio a confiança para começar a correr riscos”, escreve Ben Child no Guardian. Num cinema feito de universos e franchises, pode mostrar que o modelo é capaz de funcionar com “novas histórias e personagens”, evitando “sequelas e remakes sem fim”. Isto porque, já se sabe desde 1977, o outro final – o do enredo central deste filme, que há-de servir para Luke Skywalker detectar a falha equiparável a um womp rat na gigantesca estação espacial – é feliz. 

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