Manuais escolares: factos vs. demagogia

O debate em torno do manual escolar tem de ser feito com seriedade e rigor, sem cedência a demagogias e populismos, e com espírito de compromisso.

Num tempo em que o populismo cresce, é bom sermos rigorosos para contrariar exercícios de manipulação da opinião pública.

Em artigo de 5 de dezembro, no PÚBLICO a ex-ministra Maria de Lurdes Rodrigues vem dar o seu contributo para alimentar as intenções estatizantes e centralizadoras que sustentam a política de intervenção na edição escolar. É um contributo coerente com o exercício do seu mandato enquanto ministra da Educação de 2005 a 2009, definido por analistas como obsessivamente centralizador e incapaz de respeitar os diferentes agentes, como foi evidente com o tratamento dado à classe docente.

Todavia, importa lembrar que Maria de Lurdes Rodrigues, enquanto ministra num governo de maioria absoluta, é responsável por uma Lei estruturante em relação aos manuais escolares (Lei N.º 47/2006), um decreto-lei regulamentar e inúmeras portarias e despachos, enfim, por toda uma produção regulamentar complexa e pormenorizada que se mantêm em vigor. Perante a contradição em que a ex-ministra se coloca, e que a descredibiliza, o que sobra é a tentação demagógica e populista de denegrir todo um setor, que é um dos principais impulsionadores da economia do conhecimento, com o objetivo primordial de o fragilizar e quase “nacionalizar”, como se o país ficasse mais rico com um setor do livro mais fraco.

O artigo da ex-ministra da Educação dá a oportunidade de partilhar com os leitores do PÚBLICO, com franqueza e transparência, alguns factos que vemos serem convenientemente ora esquecidos, ora manipulados em artigos de opinião ou mesmo em artigos jornalísticos.

Facto 1: o setor do manual escolar está regulado, arriscaria mesmo em afirmar que está regulado em excesso, especialmente desde o tempo da ex-ministra. Uma regulação da exclusiva responsabilidade do Ministério da Educação, estruturada sem ouvir os editores e sem uma avaliação séria, ponderada e rigorosa da realidade. Uma regulação que vai ao ponto de definir os preços máximos, as datas de produção, o peso limite, as características técnicas dos materiais usados, os critérios e os calendários de certificação e avaliação dos manuais e as regras de divulgação, que impõe mudanças nos conteúdos, como aconteceu com o Acordo Ortográfico e as Metas Curriculares.

Facto 2: Portugal tem dos sistemas mais centralistas a nível europeu. Há anos que os editores escolares chamam a atenção para as realidades de outros países (nos quais os manuais também são considerados indispensáveis), onde há uma visão estratégica clara, com um alcance que ultrapassa o tempo de duas legislaturas, orientada para o efetivo desenvolvimento educacional e cívico dos alunos, para a qual todos os agentes, incluindo os editores, trabalham e contribuem; países onde não há uma lógica intervencionista, controladora e, paradoxalmente, desresponsabilizadora.

Facto 3: Os preços dos manuais escolares são, há muitos anos, definidos por Convenção estabelecida pelo Ministério da Economia com os editores e ratificada pelo Ministério da Educação. A ex-ministra sabe-o muito bem. Como saberá também – ou, se não souber, qualquer aluno de economia ou gestão poderá facilmente explicar – que, quando o Estado impõe preços máximos para vigorarem em períodos longos, os mercados têm tendência a alinhar por esse nível, sobretudo em contextos difíceis e de elevado risco.

Facto 4: É necessária uma nova política dos preços dos manuais escolares. Há muito tempo que os editores o propõem, desde logo pela consciência que têm quanto ao encargo que representa para a generalidade das famílias a compra dos manuais – só estes são obrigatórios, embora os livros de exercícios sejam fundamentais em várias disciplinas –, mas também porque só assim se poderá combater afirmações simplistas e populistas como as escritas pela ex-ministra Maria de Lurdes Rodrigues. Dizer que a fatura dos livros no 10.º ano pode chegar aos 300 € é fácil; dizê-lo acrescentando que inclui 12 livros, dos quais só 6 são obrigatórios, e que representam entre duas mil a três mil páginas, seria mais sério e rigoroso. Mas, como já se percebeu, não é essa a perspetiva...

Facto 5: Em comparação com outros países, os preços dos manuais escolares portugueses são dos mais baixos da Europa. É curioso que a ex-ministra não tenha feito referência aos preços dos manuais do 1º ciclo, precisamente aqueles em que o governo decidiu pela gratuitidade. Não o faz porque sabe que os preços desses manuais estão demasiado baixos, devido precisamente à imposição de preços máximos. Basta comparar com os preços de manuais similares em Espanha, Itália, Dinamarca, Alemanha ou Finlândia, onde a maioria dos manuais deste nível custam mais do dobro dos portugueses. Se alargarmos essa comparação aos outros níveis de ensino, a conclusão não será muito diferente.

Facto 6: A qualidade da edição escolar portuguesa está ao nível do que melhor se faz internacionalmente. Apesar da obsessão controladora e da tentativa mal disfarçada – felizmente e por enquanto frustrada – de fragilizar e “nacionalizar” o setor, os editores portugueses apresentam um trabalho editorial que é reconhecido internacionalmente, nomeadamente em países considerados de referência. Do mesmo modo, tudo o que tem sido feito ao nível de conteúdos educativos em suporte digital resulta, única e exclusivamente, do investimento feito pelas editoras escolares portuguesas, o que muito tem contribuído para a melhoria das dinâmicas na sala de aula, com resultado evidentes na motivação dos alunos e na eficácia das aprendizagens.

O debate em torno do manual escolar tem de ser feito com seriedade e rigor, sem cedência a demagogias e populismos, e com espírito de compromisso. É essa a minha postura e é isso que esperaria de outros intervenientes, ainda para mais tratando-se de uma ex-ministra da Educação. Contudo, não terá sido por acaso que, no livro "A Escola Pública pode fazer a diferença" que publicou em 2010, depois de sair do governo, Maria de Lurdes Rodrigues não tenha dedicado nenhum dos 25 sub-capítulos que o compõem à questão dos manuais escolares.

 

 

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