No meu escritório, os homens mandam e as mulheres atendem telefones

Não me venham dizer que não há discriminação. Pode não estar escrito num papel, pode até não ser consciente, mas existe

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Para ser mais clara, no meu escritório, os homens brancos mandam, as mulheres brancas que tomam a pílula atendem telefones e todos os outros que não se encaixam nestes dois grupos fazem limpezas, servem o lanche ou não passaram nas entrevistas.

O atender telefones é uma piada, muita gente atende telefones, porque trabalho num call-center, numa dessas empresas que faz muito dinheiro. Estou também a ser um pouco exagerada, mas não muito. Mas só porque estou cansada de não ser exagerada e dramática, porque isto é um escândalo e não tem piada nenhuma.

Nas paredes da entrada há dezenas de molduras com diplomas e fotografias da administração, fazem todos referência a algum prémio de desempenho, qualidade das condições laborais, satisfação do cliente e do trabalhador. Há os nacionais e internacionais. Na minha empresa, os trabalhadores não são discriminados pelo género, estrutura do agregado familiar, cor da pele, origens, nacionalidades ou todas as outras coisas pelas quais se discriminam pessoas. Em Portugal, não há discriminação laboral. No entanto, no meu escritório, que é como outro qualquer, os homens brancos mandam, as mulheres brancas que tomam a pílula atendem telefones e todos os outros fazem limpezas ou servem lanches. Porque será?

Sou daquelas mulheres que nos primeiros encontros ouve ”escusavas de ser TÃO feminista” ou “não é assim TÃO mau como dizes". Formulo rapidamente opiniões muito agressivas sobre as pessoas que me parecem estar remotamente de acordo com o estado escandaloso da igualdade de género no nosso país e já terminei uma relação porque ele fez uma piada sobre mulheres na cozinha. Isto da igualdade de género é muito simples: é partir do princípio que todo o ser humano é igual. Se todo o ser humano for igual, então o homem branco deixa de ser a lei e o direito e, consequentemente, também o racismo, a xenofobia e outros que tais deixam de fazer sentido. Se tudo isso deixar de fazer sentido, somos todos mais felizes e há imensos crimes e coisas feias que se tornam desnecessários. É só a solução para todos os problemas da humanidade, na minha opinião.

Fiz um pequeno estudo. Muito pequeno, cerca de 100 pessoas, porque foi só no meu piso. E pouco científico, porque foi feito durante as pausas para o café. As únicas três pessoas que não são brancas são um homem e uma mulher que não são chefes de ninguém e uma segunda mulher que serve o lanche. Para cada homem com algum cargo superior há uma mulher com igual ou superior formação e tempo na empresa com um cargo inferior — curiosamente, todas estas são mães ou têm alguém dependente delas. Todas as mulheres com algum cargo superior respondem directamente a um homem. Uma colega voltou da licença de maternidade para lhe dizerem que tinha descido de cargo. As chefes que falam são todas “cabras” e os chefes que falam são “exigentes”. Repetidamente, nos recrutamentos, são escolhidos homens em favor de mulheres e pessoas solteiras em favor de pessoas com dependentes.

Não me venham dizer que não há discriminação. Pode não estar escrito num papel, pode até não ser consciente, mas existe. Se calhar precisamos mesmo de quotas obrigatórias e melhor legislação, como já há em alguns países, pelo menos até a igualdade se tornar uma norma inconsciente nas cabeças dos recrutadores. Porque os emigrantes também querem pôr os filhos na faculdade, as pessoas negras também sabem mandar e resolver problemas e as pessoas que menstruam e parem também têm tempo para fazer outras coisas.

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