O drama nas Bahamas foi ver Ali derrotado pelo tempo

O último combate do maior pugilista de sempre foi a 11 de Dezembro de 1981, mas quem subiu ao ringue em Nassau já não voava como uma borboleta e picava como uma abelha.

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"Drama in Bahama" foi como ficou conhecido o último combate de Muhammad Ali Getty Images

Como tantos outros antes deste, o último combate de Muhammad Ali também iria ter um nome orelhudo. Antes, houve o “Thrilla in Manila” e o “Rumble in the Jungle”, este seria o “Drama in Bahama”. Nassau, capital das Bahamas, nação insular no meio do Atlântico, seria o palco de mais um regresso do quase quarentão Ali para defrontar um canadiano de origem jamaicana, Trevor Berbick, 12 anos mais novo. Na cabeça de Ali, este não seria o seu último combate, mas um trampolim para uma derradeira disputa do título mundial. Mas o nome dado a Ali vs. Berbick foi estranhamente profético.

Foi um drama em dez assaltos aquele que aconteceu numa arena improvisada em Nassau a 11 de Dezembro de 1981, faz neste domingo 35 anos. O Muhammad Ali que subiu ao ringue já não voava com uma borboleta e picava com uma abelha. Não ganhou nenhum dos dez assaltos e, no final, a decisão dos três juízes foi unânime e favorável a Berbick. Ali já era um fragmento do lutador que antes fora e que tantas vezes tinha desafiado as expectativas, desde o início de carreira em que era um desconhecido até aos combates em que tinha de enfrentar desafiantes mais novos e mais rápidos. Quando o combate acabou, acabou também a carreira de Ali. “Não com estrondo, mas com um sussurro”, escrevia na altura William Nack, da Sports Illustrated.

A um mês de fazer 40 anos, Ali já não parecia o mesmo homem, nem sequer fora dos ringues. Já nem fazia justiça a uma das suas alcunhas, o “fala-barato de Louisville”. O seu discurso já não era a “mil à hora”, mas mais pausado e, por vezes, emaranhado. Ninguém, a não ser o próprio Ali e o promotor, desejava este combate. Havia muitas dúvidas sobre o seu estado de saúde que já não era de agora. Doze meses antes, Ali tinha demonstrado enorme debilidade num combate frente a Larry Holmes que também acabaria por perder – Holmes, um antigo parceiro de treino de Ali, chegou mesmo a admitir que se tinha contido durante o combate por ter pena do velho campeão.

Antes desse combate com Holmes, Ali tinha dispensado o médico que o acompanhara durante quase toda a sua carreira, Ferdie Pacheco, por este ser frontalmente contra o regresso de Ali aos ringues. Tinha encontrado partículas de sangue na urina de Ali, o que indiciava problemas dos rins, e desconfiava da existência de micro-lesões na cabeça, consequência de quase duas décadas de combates e que não seriam visíveis nos exames normais. “Ele decidiu que esta era a sua oportunidade e vai aproveitá-la… Todos nós nos matamos à nossa própria maneira”, declarava o clínico em 1980.

Ali perdeu com Holmes, mas achou que ainda não estava acabado. Culpara a derrota num medicamento para a tiróide que provocara um emagrecimento rápido antes do combate, mas que, segundo ele, o deixara desidratado e fraco. Isso não iria acontecer no confronto com Berbick, garantia Ali. “Sinto-me como se estivesse em Manila [que venceu em 1975, frente a Joe Frazier]. Mexo-me e golpeio como se estivesse em Manila. Dez assaltos é uma coisa simples. Ele [Berbick] está ali parado à espera. É fácil de atingir. É tão fácil que ele fica louco se eu não lhe acertar”, dizia Ali, com alguma verve do antigamente.

Ali submeteu-se a todos os exames e os médicos disseram-lhe o que ele queria ouvir: estava em condições de combater. Mas não conseguiu obter uma licença para combater em território norte-americano e, por isso, teve de ir para as Bahamas. Nem Angelo Dundee, o seu treinador de sempre, queria que ele combatesse, mas acompanhou-o até ao fim. “É a coisa certa, mesmo que este combate seja um erro”, declarou.

Ali envolveu-se com um promotor de reputação duvidosa, James Cornelius (que fazia parte da Nação do Islão e que, mais tarde, se viria a saber que era procurado pelas autoridades), que lhe prometeu 1,5 milhões de dólares para combater em Nassau – Berbick iria receber apenas 300 mil. Houve envolvimento do governo local e de alguns homens com dinheiro no sector imobiliário, com a televisão que iria transmitir o combate a contribuir para a empresa. Mas houve demasiada coisa que parecia estar a correr mal e, até poucas horas do seu início, o combate esteve em risco porque Berbick exigia o pagamento na íntegra antes de subir ao ringue.

Ter Ali no cartaz não foi o suficiente para encher as bancadas do recinto improvisado sobre o campo de basebol de um liceu em Nassau. Os promotores andaram a oferecer bilhetes à porta dos hotéis para garantir que a arena estaria composta, mas esse não foi a única coisa que falhou. Não havia, por exemplo, uma campainha para marcar os tempos do combate e teve de se improvisar com um badalo. E não havia mais que dois pares de luvas disponíveis para os contendores dos vários combates do cartaz – o programa atrasou-se mais de duas horas.

Nada disto era o que Ali esperaria para o seu último “hurrah” como pugilista. Seguramente não era o que ele mereceria, mas após dez assaltos totalmente dominados por um adversário que também não o massacrou (Berbick teria um fim de vida trágico, assassinado por um primo por questões de terrenos), Ali finalmente admitiu que tinha sido “apanhado pelo Pai Tempo”. “Conheço-me melhor que ninguém e tenho a certeza que este é o fim”, admitiu. Três anos depois deste “Drama in Bahama”, seria diagnosticado a Ali a doença de Parkinson, uma doença degenerativa do sistema nervoso que, em Junho passado, acabaria por o derrubar definitivamente.

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