O Plano B faz 10 anos: uma década que mudou a noite do Porto

Foi um dos bares que contribuiu para mudar a face da movida portuense. As velas apagam-se esta sexta-feira, dia 9

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Paulo Pimenta
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Se nós dizemos que foi uma pedrada no charco, eles dizem que foi mais um empurrão — e têm razão: a pedrada no charco foi uma questão de timing e o do Plano B parece ter sido na mouche. Não foram os primeiros a instalar-se na agora chamada Baixa-Clérigos — no ano de 2006 ainda não havia esta designação — mas desde então tudo mudou. A noite do Porto, por esses dias nas ruas da amargura, ressuscitou e nunca teve tanta pujança. O desafio agora será para onde crescer (e já se adivinham novos pólos), mas para esta área simbolizada pela Torre dos Clérigos, farol para os noctívagos, não se vê travão à vista. Não foi o precursor, mas foi certamente um ícone e assim se mantém: uma década depois, alguns altos e baixos, o Plano B celebra o aniversário num cenário diferente, é certo, mas com a ambição quase intacta.

À sua volta já quase não resistem os armazéns de tecido que fizeram a fama desta Rua de Cândido dos Reis e outro comércio de rua é raro — e são bares que agora preenchem as antigas lojas. Pois nesta rua o Plano B foi certamente pioneiro por motivos absolutamente pragmáticos. “Abrimos um mapa do Porto e fomos vendo zonas”, recordam os sócios — o trio inicial, os irmãos João e Filipe Teixeira, artista plástico e músico, o primeiro, arquitecto o segundo, e também Bernardo Fonseca, a que se juntaria o produtor musical Filipe Galante — num fim de tarde no bar do Plano B.

É uma conversa com avanços e retrocessos, interrupções e o habitual caos ordenado quando se juntam os quatro, esta em que tentamos recuperar os 10 anos do Plano B. Que assentou na Rua de Cândido dos Reis depois de muitos espaços vistos, “hoje ocupados por outros bares”. “Sentimos que a cidade estava aqui”, explicam, “com as vantagens dos Clérigos, dos armazéns vazios, da ausência de vizinhos”. Afinal, era quase uma zona de ninguém: de noite vazia, de dia com o comércio a falir. Vazia. E eles moravam todos aqui.

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Recuemos no tempo, então, para uma génese bem prosaica. Decidiram avançar com o Plano B — o nome foi o último a surgir, literalmente como um plano b — porque “havia lacuna para sair à noite, não existia muita oferta”. “A Ribeira tinha desaparecido, havia os armazéns gigantes [zona industrial] mas os bares mais pequenos tinham acabado.” Ao mesmo tempo, o surgimento dos Maus Hábitos, uns anos antes, tinha mostrado que era possível fazer coisas diferentes na cidade e, desde então, uma série de projectos culturais tinha feito o seu caminho pela cidade. O Plano B tem essa filiação de projecto multidisciplinar onde cabiam DJ, concertos, exposições, espectáculos de dança e teatro, ciclos de cinema. Entretanto, abraçou projectos fora do seu espaço, seja com o Mercadinho dos Clérigos, seja com um festival que durante alguns anos organizaram.

E, entretanto, a música que já era cabeça de cartaz, desbravando sempre novas tendências (mas “sem acompanhar as modas, sempre em paralelo”) e revelando novos talentos (no palco ou na mesa de misturas), foi ganhando ainda mais protagonismo. Aconteceu naturalmente, já que todos se movimentam com mais à vontade nessa área e porque a estrutura se rentabiliza mais assim — de qualquer forma, exposições são uma constante.

O verdadeiro “clique”

E são logo a primeira parte deste antigo armazém que agora é um espaço tentacular de “diversão e experimentação”. Galeria, café-bar, clube, sala de concertos — este é o plano esquemático do Plano B, dois andares onde cabem (couberam) muito mais coisas. O visual continua retro-chic-boémio e não houve grandes alterações nos últimos anos, com um certo excesso decorativo contra um cenário mais cru (qualquer semelhança com espaços posteriores não será pura coincidência). Há espelhos, molduras douradas, sofás (e cadeiras) desirmanados com marcas do tempo, a fonte com estátua, candeeiros excêntricos, bolas de espelhos, cores fortes nas paredes — para tudo desaparecer na sala Cubo, a do clubbing, mais industrial, escura. Não tocaram muito na decoração, mas no som e na luz investiram em “ferraris”.

No próximo ano, as coisas manter-se-ão mais ou menos como estão, com predominância da música. Dois ou três DJ internacionais por mês, uma aliança com uma nova produtora por forma a dar mais visibilidade ao do que melhor (e é muito, dizem) se faz em Portugal, e as festas regulares, como JamiT, todas as quintas-feiras ou, a mais emblemática, a da Gigi, no primeiro sábado de cada mês — há alguém no Porto que não conheça a Festa da Gigi, onde a loucura é a única regra?

Já passaram muitos anos desde que os sócios se deram conta de que um “clique” verdadeiro se deu nesta zona do Porto, “em 2008, 2009”. Eles que tinham acreditado que era possível fazer algo ao estilo de Londres e Berlim, com concertos, DJ, tudo no mesmo espaço, tudo para prolongar a noite, viram a vizinhança crescer, viram o Porto ganhar uma centralidade noctívaga ecléctica q.b., viram o turismo explodir (“também com o contributo do passa a palavra sobre a noite portuense”, acreditam”), o Porto a funcionar 365 dias por ano. E, “com altos e baixos”, o Plano B mantém-se. Relevante – ou melhor, uma instituição “recomendada por taxistas e hotéis”, brincam — à espera do que vier.

Festa de aniversário

Foi a 7 de Dezembro de 2006 que o Plano B abriu, é a 9 de Dezembro que se celebram os 10 anos. O alinhamento desta noite segue a mesma filosofia da casa: trazer talentos emergentes e alguns já estabelecidos. Alguns já se tornaram até amigos da casa, como o alemão Move D, que já toca há seis ou sete anos aqui e agora é um dos mais conceituados nomes do deep house; outros são quase “da casa”, como o DJ Kitten (“já tocou aqui com todos os seus projectos”) ou os Best Youth, que farão um DJ set. O cabeça-de-cartaz é Kerri Chandler, “um dos fundadores do house e um dos mais reconhecidos DJ e produtores” — “representa não só a velha guarda como continua a inovar”; completa o cartaz Max Graef, jovem alemão que usa o house numa relação aberta com outros estilos, do jazz ao hip hop.

Se estes são os nomes principais, haverá ainda um regresso ao passado com um set dos DJ que tocaram na inauguração — a saber, Justamine (o próprio João Teixeira), Paulo Santos Rodrigo e Paulo Centeno – e uma “noite vintage” na galeria com lindy hop servido pelo DJ Joe (João Guedes). Ainda na área da música, o Plano B tem uma compilação, “10 anos 10 artistas” para oferecer aos clientes: Best Youth, Rui Maia, Holy Nothing ou Rompante são alguns dos nomes incluídos nas 1500 cópias disponíveis.

Além da música, a exposição 10 anos Plano B, do fotojornalista do PÚBLICO Paulo Pimenta, passará em revista uma década de concertos e de pessoas que contribuíram para uma década de vida.

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