Há aulas na Junta de Freguesia de Benfica. E, à saída, o emprego é quase certo

A aposta na formação e na ajuda a encontrar trabalho para os residentes da freguesia começou há cerca de dois anos e já conta com uma taxa de 72% de empregabilidade.

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Os formandos do curso de cozinha / pastelaria. Tiago Guerreiro / Junta de Freguesia de Benfica
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Igor Marques, ou Furakuza, já passou por duas das formações da Junta de Benfica. Tiago Guerreiro / Junta de Freguesia de Benfica

Carla Pinto tem 45 anos, mora no bairro da Boavista e está há perto de dois anos a trabalhar na Junta de Freguesia de Benfica como cantoneira. Antes, tirou um dos cursos organizados pela autarquia, o de jardinagem, não só por gostar da área, mas para poder cumprir o sonho antigo de terminar os estudos. Faltava-lhe, na altura, concluir o 5º e 6º ano, pelo que aproveitou para “juntar o útil ao agradável”. Quando surgiu a vaga para cantoneira, tinha concluído o curso de jardinagem há cerca de três meses, estava desempregada e aceitou sem hesitar. “Perguntaram-me se estava interessada e eu disse logo que sim! Não eram jardins, mas não fazia mal. Eu queria era trabalhar fosse no que fosse”. A remuneração não é ideal, “chegar, nunca chega, precisávamos sempre de mais”, mas vai dando. “Tenho uma casa com cinco pessoas. Agora eu e o meu marido estamos os dois a trabalhar, mas um dos nossos filhos acabou de ser pai e também tem as suas despesas. Depois de pagarmos água, luz e rendas ficamos sempre um bocado apertados, mesmo com dois ordenados, mas aquilo que recebo é melhor do que nada”.

A componente da formação, a que se segue a ajuda a encontrar um emprego e o acompanhamento permanente depois disso, tem sido uma das maiores apostas da Junta de Benfica ao longo dos últimos dois anos. “Identificámos um grave problema: os níveis brutais de desemprego, que chegaram a atingir os 18%, e decidimos que tínhamos de actuar na área da formação e do emprego”, esclarece Inês Drummond, presidente da Junta. “Falámos com os nossos comerciantes e empregadores e fomos identificando as necessidades reais de trabalho para ajustarmos os nossos cursos àquilo que é mesmo preciso”.

A decisão de apoiar as famílias da freguesia inspirou a criação do programa o Formup Benfica, em parceria com entidades como o Instituto do Emprego e da Formação Profissional (IEFP), cabendo-lhes a parte de seleccionarem os candidatos que precisam de emprego e ao IEFP a selecção dos conteúdos programáticos dos cursos. Mas decidiram dar um passo em frente e tornar-se na primeira junta do país certificada pela Direcção Geral do Emprego e Formação Profissional e pelos centros Qualifica (antigos Centros Novas Oportunidades) para poderem ministrar os cursos de forma independente.

Ao longo destes dois anos, desenvolveram mais de 20 cursos e formaram 703 pessoas, 506 das quais já estão empregadas. “Esta nossa aposta mostrou-se segura, porque acabámos por verificar um grau de empregabilidade das pessoas que passaram por nós de 72%”, refere Inês Drummond, adiantando que o objectivo é alcançarem os 100%, por isso vão apostar em mais cursos. “Os mais operacionais, ligados a áreas que caíram um bocado em desuso – jardineiro, calceteiro, mecânico, ou seja, as áreas mais 'funcionais' – são os que têm tido maior taxa de emprego, porque em zonas urbanas há uma forte necessidade delas”, afirma Ricardo Marques, vogal da Educação na junta. “O que faz falta em Lisboa são canalizadores, electricistas, mecânicos, jardineiros. Não vale a pena pensar que formando só físicos quânticos vamos empregar cá toda a gente, não faz sentido”.

Procura crescente de calceteiros

“Também não faz sentido estarmos a dar formação teórica, sobre matéria que nunca vai ser utilizada e que as entidades empregadoras não precisam. Temos de focar exactamente naquilo que é necessário”, alerta Inês Drummond. O curso de calceteiro é um bom exemplo: “Há uma carência brutal de calceteiros, sobretudo numa cidade como Lisboa, onde a calçada é um marco identitário. Neste momento, o curso ainda está a terminar, mas as pessoas já estão todas a estagiar ou com estágio garantido quando acabarem a formação. Quando eu disse ‘bom, pelo menos queremos que cinco fiquem a estagiar cá na junta’, já não era possível porque várias juntas de Lisboa e arredores já lhes ofereceram contratos de trabalho!”.

E o foco está na formação em microescala: “No ensino normal, constituem-se turmas de 20, 25 alunos, e criam-se grupos homogéneos. O Centro Qualifica vai permitir-nos trabalhar ao nível do indivíduo: qual é o seu potencial, qual é a sua história de vida, e dar-lhe informação específica para ele”, esclarece Ricardo Marques. Para uma maior proximidade dos centros de formação às zonas de residência dos formandos, um factor crucial para combater o absentismo ou abandono precoce, foram criadas cinco pólos de formação espalhados pela freguesia: uma sala nas Portas de Benfica, a Cozinha Comunitária do Bairro da Boavista, a Oficina automóvel Solidária do Bairro do Calhariz e o estúdio de formação em multimédia da Boavista. 

Igor Marques já passou por dois destes espaços. O rapper, de nome artístico Furakuza, tem 20 anos e frequentou a formação de áudio no estúdio da Boavista, onde aprendeu a trabalhar com programas de produção e edição multimédia, mas também a colocar correctamente a voz. “A formação ainda não acabou e todos os dias aprendemos mais um bocadinho de qualquer coisa”. E se antes da formação não tinha qualquer conhecimento de produção musical, passou a conseguir “produzir e masterizar” os seus temas. Já actuou em arraiais como o de Benfica, de Linda-a-Velha ou da Ajuda, mais conhecido como Festa do Largo do Galo, e, mais recentemente, actuou na comemoração do aniversário do bairro da Boavista. E muitos já o vêem como um exemplo a seguir: “Sou o mais antigo do estúdio de som, estou mais ‘graduado’ na parte da música, e já temos mais miúdos interessados na música por me verem a mim como referência. Também quiseram experimentar e nós demos-lhes oportunidade de gravarem lá as músicas, de cantarem e pisarem o palco, para terem a sensação de estarem em cena e com o público. Aqueles que querem mesmo aprender, agarramo-los logo e ensinamos tudo”. E também reconhece a ajuda da junta na promoção dos seus concertos: “Eles arranjam-me sítios para actuar, sempre que há festivais e arraiais chamam-me para ir. Têm-me dado uma boa ajuda a espalhar o meu nome”.

À parte da música, também quis apostar na formação de pastelaria / restauração, por esta oferecer melhores hipóteses de um futuro profissional. “Tem sido uma experiência muito fixe, estou a fazer coisas que nunca pensei fazer. Foi mais para tirar o 12º ano, mas também porque a cozinha é uma área que me vai dar de certeza absoluta emprego, é uma área em que estão sempre a precisar de pessoas”. “É realmente uma área de que há grande necessidade em Benfica”, reconhece o vogal da Educação. “Não decidimos abrir o curso só porque nos apeteceu, ou porque é moda, como os Masterchefs. Foi decidido depois de uma auscultação profunda aos restaurantes locais, aos refeitórios que existem, quer de centros de idosos quer os nossos, na junta, e nas escolas, e percebemos que havia uma carência. A maior parte das pessoas que colaborava nestes refeitórios apresentava uma elevada taxa de rotatividade e pouca formação na área, por isso havia aqui um potencial de empregabilidade”.

Mas o conceito da cozinha comunitária é, neste caso, um pouco diferente: “A ideia é que de manhã seja um centro de formação e à tarde seja um espaço de cozinha take-away, onde os formandos podem utilizar o espaço para desenvolver os seus negócios e vender os seus produtos”, disse Ricardo Marques. Inês Drummond também admite o sucesso do curso em termos de colocação dos formandos e acrescenta que “a restauração está desesperada! Só nos refeitórios escolares empregamos perto de 40 e poucas pessoas! É a área de maior empregabilidade na freguesia de Benfica, é uma loucura!”.

Texto editado por Ana Fernandes

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