Portugal: brincar aos países e ao cinema

Abandonemos a síndrome de “povo menino” ou a síndrome do império. Identifiquemos os erros de base, para que possamos melhorar os que nos atrofiam. Eis algumas propostas.

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Manoel de Oliveira, que tanto contribuiu para o prestígio internacional do cinema português, foi o alvo de uma piada de Herman José que, nos anos 80, reduziu o seu cinema à imagem de meia hora de uma árvore, veiculando a ideia de coisa chata e intransponível NFACTOS/LARA JACINTO

Portugal necessita urgentemente de se interrogar. Foi esta a força que perdemos há muito (Europa incluída) em relação ao mundo. Deixámos de nos questionar enquanto povo, perdemos o presente e, consequentemente, o futuro. Entrámos num processo letárgico, cujo resultado está à vista.

Para abandonarmos a síndrome de “povo menino”, diagnosticado por Cesariny, ou a síndrome do império ou de uma certa sobranceria parola, é necessário que identifiquemos os erros de base, para que possamos melhorar aqueles que nos são endémicos e que atrofiam o desenvolvimento social do país. Aqui estão eles.

Em Portugal, a normalidade da convivência pura e simples não existe. Persiste uma visão infantil e bipolar, em que coexistem o “nós” perfeito e os “outros”, uma cambada de inúteis e oportunistas. Existe uma total ausência da noção do que é o bem comum. Entretemo-nos em guerras inúteis, destruindo o caminho uns dos outros. Nada se constrói, nada tem continuidade. E o “outro” é um alvo permanente a abater.

É, pois, fundamental reforçar a ideia de bem comum, acima da tradicional turbulência quando muda a cor política ou emerge um novo grupo de interesses. É como se brincássemos com o país, ficando claro o embaraçoso amadorismo nacional das instituições, dos agentes, da falta de planeamento e estratégias a longo prazo.

Se a ausência de noção de bem comum na política é gritante, esta é extensível a todos os sectores da sociedade.

Não será difícil para qualquer português constatar que a grande maioria das nossas instituições despendem a maioria do seu tempo em tarefas de manutenção administrativa e legitimação procedimental. E se gastarem 10% a tentar construir políticas e acções estratégicas consistentes — isto é, resolver os problemas para os quais foram criadas —, já será muito. Demitem-se assim do papel reflexivo e mobilizador que deveriam ter na sociedade que as justifica e sustenta.

Mas as instituições e o Estado somos nós e, connosco, as elites. É nesta dimensão que tem residido ao longo da nossa História um dos principais problemas de Portugal. Quando me refiro às elites, refiro-me à intelligentsia da sociedade, elites que deveriam ser fonte de inspiração e reflexão para os seus concidadãos. Mas em Portugal, desde Quinhentos, temos tido predominantemente elites endinheiradas, deformadas, conservadoras (mesmo quando de esquerda), provincianas na sua vergonha e repulsa pela própria origem. Enclausuradas numa visão do séc. XIX — em que a cultura se resume à música clássica, às belas-artes, à literatura e ao património edificado e a algum fino apreço por antiguidades. A ignorância torna-se clara quando se odeia o que não se compreende, o que não se conhece e o que não se controla. Fossem estas as elites do séc. XVI e a Gioconda nunca existiria.

Os intelectuais e “fazedores de opinião” falam sobre tudo e sobretudo dos partidos que apoiam. Existe ainda a chamada escola “à la” Pulido Valente (Alberto Gonçalves, João P. Coutinho, etc.), gente que despreza o povo “indígena” (de onde eles vêm é que eu não sei), que se limita a destilar ódio em tudo quanto escreve e cuja capacidade para contribuir para o país (que tanto criticam) permanece uma eterna incógnita.

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As pessoas tomam como natural a condução dos seus impostos para a electricidade ou o futebol, mas estranham o apoio à arte MIGUEL MADEIRA/ARQUIVO

Na comunicação social o jornalismo cultural raramente existe, seja por políticas estranguladoras dos conselhos de administração dos meios, seja por impreparação dos jornalistas. Por outro lado, a informação é concentrada de modo quase totalitário na rede de eventos da Grande Lisboa.

Vox populi

Em Portugal, salvo honrosas excepções, a crítica não faz crítica, ou fá-la como uma criança de cinco anos: ama ou odeia. E nesta falta de consistência, confundida com exercício de poder, o crítico sente-se crítico apenas no momento em que determina a selecção daquilo que deverá integrar o corpus cultural do país — ou seja, a crítica não perdoa e só reconhece quem foi criado por si.

Os colegas de profissão, em geral, desprezam-se e digladiam-se como se não existisse espaço suficiente, sem perceberem que o mundo é diverso e que, na arte, ninguém ocupa o lugar de ninguém. Num país de dez milhões de habitantes, onde se produz uma média de menos de 20 longas-metragens por ano, coabitam duas associações de realizadores e duas de produtores que rivalizam entre si. É mais do que triste: é confrangedor. E existem ainda os “brilhantes falhados”, aqueles que desprezam tudo o que os rodeia porque nunca fizeram nada — e geralmente odeiam o sucesso do outro por ser esse o espelho da sua própria inacção.

Existe ainda a moda de tratar os cidadãos como consumidores, esquecendo que todos temos o direito inalienável ao conhecimento e à educação. Falamos, de novo, do bem comum. Se o Estado social está em perigo, também a cultura está em perigo. Ou consideramos que todos temos direito a ela, ou tornamo-la um luxo. Quando a vox populi (com o beneplácito político) afirma que a cultura é um luxo, esquece-se de que a História de um povo é construída pela ciência e pela cultura. As pessoas tomam como natural a condução dos seus impostos para a electricidade ou para o futebol, mas estranham o apoio à arte. E não percebem que, sem esse apoio (seja estatal ou mecenático), a arte nunca existiria. Podem ficar descansados: em Portugal, a arte não é, na verdade, apoiada. Salvo raras excepções, a maioria dos criadores, actores, realizadores, artistas plásticos, etc., vivem uma situação de precariedade laboral, social e vivencial quase absolutas. É fácil encontrar um criador que admiramos atrás de um balcão de um bar para conseguir sobreviver e ainda ser alvo de crítica por ser subsidiado, quando não o é. Mas não faz mal: o ideal romântico é o artista morrer na miséria, como Camões, e ser depois agraciado com uma estátua e apropriado pelo regime. Como Eduardo Prado Coelho dizia, tem de se assumir, de uma vez por todas, que o investimento na cultura e na ciência é a fundo perdido e que, se em 50 anos um país conseguir uma obra-prima ou uma revolucionária descoberta científica, será um milagre — o nosso contributo para a humanidade.

Posto isto, o problema não é só o Estado, não são só as elites, não são os outros. No fundo, o problema somos todos nós (grandessíssimos filhos da puta uns para os outros e sobretudo para nós mesmos), que, enquanto não tivermos como máxima a contribuição para o bem comum, não iremos a parte alguma. A verdade é que só tornando construtiva a energia que temos despendido ao longos destes anos a autodestruir-nos é que conseguiremos transformar Portugal.

O cinema e o bolso dos portugueses: um mito

Para falar dos problemas do cinema português com abrangência, irei focar-me em quatro pontos centrais: o público; as produtoras e distribuidoras; o ICA [Instituto do Cinema e do Audiovisual] e as insuficiências da sua actuação; as escolas de Cinema e o seu fundamental papel na transmissão de identidade.

Infelizmente, temos uma cinematografia renegada pelo público. E uma das grandes ironias da vida é o facto de Manoel de Oliveira, que tanto contribuiu para o prestígio internacional do cinema português, ter também contribuído, sem saber e sem ser sua responsabilidade, para o efectivo divórcio dos portugueses do cinema nacional — graças à piada de Herman José que, nos anos 80, reduziu o cinema de Oliveira à imagem de meia hora de uma árvore, veiculando a ideia de um cinema chato e intransponível. A piada ficou e virou marca que perdura até hoje. E, se é verdade que existem filmes portugueses maus, também os existem notáveis — como em qualquer cinematografia do mundo.

O mito popular diz também que os cineastas vão ao bolso dos portugueses para financiar os seus filmes parasitas. Mas, ao contrário do que muitos pensam, nenhum dos nossos impostos custeia a produção nacional. O fundo que apoia o cinema é suportado apenas pelas operadoras de televisão e cabo (Nos, Meo, etc.), ao abrigo do que se considera serviço público — isto é, contribuir para a sociedade da qual retiram os seus proveitos. Ora, num público que considera o cinema português mau por natureza e ainda julga que está a ser roubado, não surpreende que muitos defendam que o Estado não deva financiar “coisas dessas” (especialmente se não tiverem como objectivo a obtenção de lucro). O que muitos não sabem é que o que permite aos países europeus financiar a sua própria cinematografia é uma cláusula de excepção, que tem por base a necessidade de apoiar a produção de filmes que de outra forma nunca poderiam ser concretizados, garantindo assim a existência do cinema como forma de arte e não apenas como entretenimento — porque os dois podem, e devem, complementar-se. No caso português, nem um cinema dito “comercial” sobreviveria sem apoios estatais diante de uma população tão reduzida (leia-se: mercado) — por isso, a discussão comercial vs autor, além de não fazer sentido, não tem utilidade prática no caso português. A pergunta que fica é: será o cinema de Pedro Almodóvar comercial ou autoral? Ou essa tentativa de distinção não é apenas uma eterna guerra de egos, estúpida, e sobretudo sem qualquer utilidade prática? Em teoria, a maneira de avaliar o sucesso de um filme oscila de forma complexa e bastante relativa: entre os números de bilheteira, a presença e prémios em festivais, e a recepção pela imprensa. Mas, se analisarmos a última década, talvez se contem pelos dedos de uma mão os filmes portugueses que conseguiram vingar em todas estas frentes. E seria importante tentar perceber porquê.

Ainda antes de chegar ao seu público, o cinema português atravessa canais de distribuição que, além de naturalmente entupidos pela oferta estrangeira, são de manutenção duvidosa por parte de algumas entidades. É o caso de permitirmos que uma única pessoa possa ser, em simultâneo, produtor, distribuidor e exibidor. Quantas vezes certo produtor-distribuidor detentor de salas rejeitou exibir filmes de outros produtores portugueses? Um problema que os americanos resolveram com o “Paramount case” há 70 anos, em nome da concorrência justa, ao impedirem que os estúdios pudessem operar em mais de duas dessas três frentes.

Por cá, a Nos, a nossa maior distribuidora, aquela que ainda nos vai dando alguma projecção, podia assumir uma missão de serviço público ao ceder duas das suas cerca de 450 salas (uma para Lisboa, outra para o Porto) para exibição exclusiva de cinema português (como existe a Sala Cinema Francês, no Amoreiras). Seria importante para criar hábitos de assiduidade por parte de um público interessado. Poderia ainda exibir cinema português em algumas salas do resto do país, um dia por mês.

Parte da culpa é também das próprias produtoras que, mal habituadas a reconhecer a importância de uma promoção forte para o sucesso dos filmes, tendem a suborçamentar a promoção e distribuição, achando que promover um filme se limita a imprimir postais ou no máximo colocar um anúncio no jornal.

Existe ainda a Festa do Cinema dinamizada pela ICA, que durante três dias convida as pessoas a visitar qualquer sala de cinema do país com bilhetes a 2,5€ — uma iniciativa de sucesso. Mas quem também necessita de ajuda é o cinema português. Por isso, poder-se-ia juntar a esta festa uma iniciativa simbólica, anual, lançando em todas as salas do país o desafio de exibirem um filme português à sua escolha, aproveitando o assinalar de alguma efeméride — o dia do cinema português.

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Tem de se assumir, de uma vez por todas, que o investimento na cultura e na ciência é a fundo perdido RUI GAUDÊNCIO

É necessário analisar aquilo que se configura como o problema base do cinema em Portugal: afinal, qual a função do Instituto de Cinema, ao fim de 40 anos? Para a escrita deste artigo, foram enviadas 12 questões aos membros da direcção do instituto que, por disporem de apenas uma semana, lamentaram não ter tido tempo para responder. Mas entre elas havia uma que considero crucial: “Quais as principais linhas mestras do plano de actuação do ICA para os próximos anos? E onde se pode encontrar a estratégia da actual direcção para o fomento do cinema português?”

Na minha ingenuidade, pensava que para responder não seria necessário nem uma semana, pois, supostamente, esta estratégia já deveria estar há muito definida e redigida, bastaria um simples copy paste como resposta. Aparentemente, não.

Se temos de admitir que somos um país sem grande margem financeira, também há que reconhecer que o sistema actual está totalmente bloqueado. Vários realizadores são considerados instituições, vacas sagradas do regime, e, ao serem continuadamente apoiados, vão deixando de fora qualquer hipótese de regeneração e o surgimento de novas formas de linguagem. Estranhamente, também somos um país em que os filmes parecem ter todos a mesma exigência orçamental: uma primeira obra de ficção, quer seja um exercício poético sobre o azul filmado num único espaço, ou uma recriação histórica com uma batalha naval, recebe no máximo os mesmíssimos 600 mil euros de apoio à produção.

Existe, pois, uma necessidade premente de revisão do actual sistema de concessão de apoios. Talvez a forma mais eficaz de tentar colmatar este problema seja a criação, por cada linha de apoio à produção, de candidaturas a montantes máximos escalonados — por exemplo, um concurso para 600 mil euros; um para 400 mil euros; um para 100 mil euros. Desta forma, os produtores seriam obrigados a apontar a mira com precisão às suas reais necessidades, em vez de, como sempre se fez em Portugal, inflacionar o orçamento, atirar o barro à parede e esperar que saia a sorte grande.

Para os novos cineastas, defendo a existência de um concurso específico para jovens até aos 30 anos. Mas, em sentido totalmente inverso, o ICA propõe a agora a fantástica aberração de que os projectos escolares sejam considerados “primeiras obras”, anulando qualquer hipótese de as gerações mais novas acederem aos concursos.

Poderia também ser criada uma linha de apoio a curtas-metragens de baixo orçamento para alunos recém-formados, para que não concorressem taco a taco com realizadores sexagenários consagrados. Caso contrário, parece ser necessário que toda uma geração de realizadores morra para finalmente o sistema se regenerar. Aliás, pergunto ao meus colegas com carreiras já firmadas se realmente consideram justo disputar o único e exclusivo espaço de apoio a que a nova geração de realizadores pode aceder.

Defendo ainda que, tal como os concursos estão divididos em longas ou curtas-metragens de ficção, documentário ou animação, se acrescente um concurso para cinema experimental e de ensaio — por ser um cinema de natureza muito distinta, não passível de ser exibido em salas comerciais, mas sim em museus e galerias, sem que nada de errado exista nisso. Caberá assim ao produtor a honestidade de decidir à partida para que segmento de mercado está o seu objecto fílmico direccionado e a que linha de apoio concorrer.

Nenhuma destas propostas obriga a um reforço dos fundos, mas antes a uma melhor distribuição dos mesmos.

Encontra-se actualmente em preparação um projecto de decreto-lei que visa alterar as regras de apoio financeiro ao sector do cinema. Faço votos para que, no final, incorpore alterações significativas que contribuam para o fortalecimento do sector. Contudo, e desconhecendo ainda a redacção final, numa primeira leitura sou levado a concluir que não se encontram sequer considerados os dois principais problemas: a necessidade premente de desbloquear o sector, garantindo a acesso de novos realizadores às linhas de apoio, e a definição de estratégias a longo prazo.

Comecemos pela composição dos júris e o claro tráfico de influências, um problema nunca consensualmente resolvido. É essencial que Portugal reconheça e assuma a sua escala familiar e respectivas consequências: todos no meio estão, de alguma forma, interligados. Para tornar o processo transparente, defendo que as candidaturas sejam feitas por apresentações públicas de projectos (inclusive abertas à comunidade), sendo o júri composto por dez pares sorteados (ou pela Academia de Cinema ou pelas “cinquenta” associações do sector), mais quatro elementos indicados pelo ICA, incorporando alguém da direcção, e, em caso de empate, um voto de qualidade para o presidente. Acredito que perante a exposição e exigência pública a que estariam sujeitos o ICA e as produtoras se veriam obrigados a ser mais criteriosos.

Apenas uma nota anedótica sobre o que hoje se passa nos projectos a concurso: é inexplicável, para não dizer surreal, a não exigência da apresentação de uma ou várias sequências narrativas com planificação/storyboard do que irá ser filmado. O júri limita-se assim a avaliar argumentos. Ora, o mesmo argumento realizado por cinco realizadores distintos resulta em cinco filmes completamente diferentes.

Se a função do ICA é trabalhar pela sustentabilidade da produção cinematográfica, então é gravíssimo que não exista a mínima estratégia para a promoção internacional da mesma. Não basta estar presente com stands em mercados como Cannes ou Berlim, e limitar-se a distribuir uns catálogos com os filmes produzidos nesse ano, que nem os DVD dos filmes contêm. São necessárias acções concretas, concertadas com as associações do sector para direccionar os filmes para os seus potenciais mercados internacionais.

Onde está o trabalho de estruturação e profissionalização do sector? Onde está a promoção interna e externa de filmes?

É confrangedor que, ao fim de 41 anos de vida, o instituto se tenha demitido de promover uma campanha de marketing que procurasse superar o divórcio entre os portugueses e o seu cinema. Ou que não tenha trabalhado parcerias com entidades como a TAP, companhia de bandeira, para que, à semelhança das suas congéneres, criasse uma categoria permanente de cinema português a bordo, ou exactamente o mesmo com a Netflix. Ou promover algo tão básico como um estudo que procure perceber quais as expectativas e reticências que têm os frequentadores das salas de cinema em relação ao cinema português.

Como pode o ICA manter-se passivo, sabendo que, daquele que é o meu conhecimento, cidades como Bragança, Portalegre, Évora e Terceira não têm salas de cinema com programação regular, minimamente abrangente, a par e passo com a distribuição feita no resto do país? Porque não avançar-se com uma proposta que revolucionou o mercado brasileiro, procurando adaptá-la ao nosso contexto, impondo aos canais temáticos de TV (AXN, Fox, etc.) que exibam X horas semanais de produção original portuguesa?

Que raio de cinema pensavam que iriam fazer?

Quase sempre ausentes da discussão, as escolas superiores e universidades têm um papel fundamental na aproximação dos futuros profissionais da sua cinematografia. Das dez instituições de ensino que contactei, apenas quatro têm cursos com unidades curriculares exclusivamente dedicadas à história do cinema português — Restart, Universidade da Beira Interior, Universidade Católica e Lusófona. Outras dedicam-lhe apenas algumas horas em unidades curriculares mais gerais.

A ausência mais chocante é, contudo, a Escola Superior de Teatro e Cinema (ESTC), encarada como a principal escola de Cinema em Portugal — mas nada que surpreenda, vindo de uma escola que, à boa maneira soviética, manteve durante 30 anos o mesmo presidente do Departamento de Cinema.

Enquanto por lá fui aluno, foi-me dado a ver um único filme português. Anos mais tarde, já como profissional, regressei para dar uma palestra — naquele mês haviam-se estreado cinco filmes nacionais, mas os alunos não tinham visto nenhum, nem conheciam cinema português em geral. Era “chato”, diziam. Perguntei, afinal, que raio de cinema pensavam eles que iriam fazer?

E sejamos claros: é exigível, no mínimo, a obrigatoriedade de um semestre de uma cadeira dedicada à história da cinematografia nacional em todo e qualquer curso de Cinema e Audiovisual leccionado em Portugal. Caso contrário, como poderão futuros profissionais saber o que falhou ou resultou antes de si? Ou como chegámos aqui.

Por fim, penso que também seria útil que as diferentes escolas do sector se reunissem, contactassem as respectivas associações (e, posteriormente, tentassem estabelecer diálogo com as suas congéneres brasileiras) e se articulassem para definir um glossário comum, para não termos dois profissionais formados na mesma língua a designar de modo diferente termos técnicos de idêntico significado. Na realidade, toda a terminologia cinematográfica é passível de ser traduzida para português. Por isso seria bom que os “nossos” anglófonos e francófonos percebessem que o mundo mudou, que o português é uma das línguas mais faladas no mundo e que está na altura de contribuir para afirmar o nosso próprio idioma.

Para terminar, é importante esclarecer que muitas destas questão não me têm afectado directamente — não só tenho sido apoiado pelo ICA, como pela Nos, como tenho sido em geral bem recebido pelos media e pela crítica. Mas não é por isso que posso ignorar o modus operandi do sistema e como este afecta os meus colegas e o nosso cinema em geral. Desejo apenas que estas propostas possam contribuir para a defesa e fortalecimento da cinematografia nacional, pois a futura memória visual do país será também o resultado do nosso cinema. É por essa imagem que irá perdurar que devemos lutar. A verdade é que tudo está por fazer e, como tal, não nos podemos demitir de agir. Caso contrário, continuaremos a ser uns eternos amadores a brincar aos países e ao cinema.

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