Críticas à Arábia Saudita valem um puxão de orelhas a Boris Johnson

Downing Street diz que afirmações do ministro sobre envolvimento de Riad em guerras por procuração não representam a posição oficial de Londres

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Boris Johnson tem viagem agendada a Riad para o próximo domingo Alessandro Bianchi/Reuters

Não foi preciso esperar muito para ouvir Downing Street repreender, uma vez mais, o seu ministro dos Negócios Estrangeiros britânico – desta vez por causa de afirmação com potencial para causar um verdadeiro embaraço diplomático. Horas depois de o jornal Guardian ter divulgado uma gravação em que Boris Johnson acusa a Arábia Saudita e o Irão de fomentarem guerras por procuração, a porta-voz da primeira-ministra Theresa May veio a público dizer que a afirmação não representa a posição do Governo britânico.

De Johnson já todos esperam gaffes e frases ditas com leveza pouco habitual para titulares de cargos públicos. Uma característica que não desapareceu quando May, para surpresa geral, decidiu convidá-lo para a chefia da diplomacia – vários líderes europeus criticaram-no já pelo tom pouco diplomático que tem adoptado nas discussões sobre a futura saída do Reino Unido da UE e a própria primeira-ministra já ironizou que é-lhe difícil “mantê-lo na linha durante quatro dias seguidos”.

Mas a intervenção que agora gera polémica, durante uma conferência na semana passada em Roma, fere uma das alianças mais prezadas por Londres (a Arábia Saudita é um dos principais clientes das empresas de armamento britânicas), que tem como política não criticar em público as acções de Riad.

Para agravar o embaraço, as declarações foram divulgadas quando May regressava de uma viagem ao Médio Oriente, durante a qual foi recebida pelo rei Salman e afirmou, num encontro com representantes das monarquias árabes, que o comportamento “agressivo” do Irão representa uma ameaça para estabilidade regional. Sobre a intervenção da Arábia Saudita na guerra civil no Iémen, onde há mais de um ano bombardeia zonas controladas pelos rebeldes houthis (de confissão xiita), nada foi dito em público, apesar das críticas da ONU e das organizações humanitárias às centenas de civis mortos nos ataques aéreos e à fome que ameaça milhares de pessoas.

Destoando totalmente desta linha, o chefe da diplomacia britânica afirmou que “um dos principais problemas políticos” do Médio Oriente tem origem em “políticos que distorcem e abusam da religião, incluindo de diferentes ramos da mesma religião, para alimentar os seus próprios objectivos”. “Isto é uma tragédia – e é uma das principais razões pelas quais estão a ocorrer guerras por procuração em toda a região – a inexistência de lideranças suficientemente fortes nesses países”, acrescentou, identificando em seguida Riad e Teerão como dois dos protagonistas destes conflitos. “Temos os sauditas, o Irão e toda a gente, que andam por aí a puxar cordelinhos e a jogar às guerras por procuração”.

Reagindo a estas declarações, a porta-voz de Downing Street garantiu que May mantém “plena confiança” no seu ministro, mas sublinhou que aquilo que ele diz na gravação agora tornada pública “não representa a visão do Governo sobre a Arábia Saudita e o seu papel na região”. Riad, acrescentou, “é um parceiro vital do Reino Unido, particularmente no contraterrorismo e, tendo em conta o que se passa na região, apoiamos a coligação liderada pelos sauditas no trabalho que têm feito para defender o governo legítimo do Iémen, contra os rebeldes houthi”.

O jornal Guardian escreveu que Riad está preocupado com os “sinais contraditórios” enviados pelo Governo britânico. Mas depois do puxão de orelhas público de Downing Street caberá agora a Johnson o papel ingrato de se explicar – o que poderá acontecer presencialmente, já que tem agendado para domingo uma visita a Riad. “Ele vai à Arábia Saudita e terá oportunidade de demonstrar a posição do Reino Unido sobre a relação com a Arábia Saudita e o trabalho que queremos continuar a fazer com eles e com os outros parceiros na região para pôr fim ao terrível conflito no Iémen”, afirmou a porta-voz.

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