Lorde Pânico

E o pior de todos os bloqueios é aquele que corta as gerações de cada país ao meio.

Uma das coisas boas nas redes sociais é que, como na rádio de ondas curtas do passado, se pode viajar sem sair do lugar. Agora com uma diferença de cinco horas em relação a Portugal Continental (e Madeira), acordo com as notícias do país, da Europa e da África, vou seguindo durante o dia o que se passa nos EUA e adormeço com o Brasil, a América Latina e as primeiras notícias da Ásia. A qualquer altura do dia, num intervalo do trabalho, posso dar a volta ao mundo em oitenta minutos.

A má notícia é que é uma volta deprimente. As peripécias da transição de Trump para a presidência são tantas e tão graves que se torna impossível narrá-las. O Brasil continua em profundo desencanto consigo mesmo. Nas Filipinas mais quatro mil supostos toxicodependentes foram assassinados sob a inspiração política do Presidente Duterte, um homem que já se comparou a Hitler e foi convidado por Trump para o visitar na Casa Branca. Na Turquia a perseguição chega aos bolseiros e investigadores que regressam a casa. Na Síria é Putin que exercita os músculos, esperando pelo dia de voltar à Ucrânia. Na Europa, a esquerda francesa continua na sua senda suicidária de apresentar candidatos fora das primárias de forma a garantir a segunda volta a Marine Le Pen, o governo italiano caiu e o britânico não sabe para onde ir. 

No meio desse percurso houve ontem uns minutos de hilaridade nas redes sociais britânicas com o nome de um advogado — Lord Pannick, ou Senhor Pânico — no processo do Supremo Tribunal que opõe cidadãos ao governo do Reino Unido pela forma de saída da União Europeia. O pânico que o causídico causou nas hostes do governo de Sua Majestade foi ao lembrar que provavelmente não só o "Brexit" necessita de uma confirmação do parlamento britânico como também do parlamento escocês. Ora, como muita gente sabe, os escoceses só aceitarão dar essa permissão sob condição de ficarem eles como estado sucessor do Reino Unido na UE. Que tenha sido o Lorde Pânico a lançar o pânico tornou-se muito apropriado.

Vale a pena esgravatar um pouco no que se está a passar no Reino Unido como em Itália, dois países muito diferentes mas que se supõe representarem hoje as duas formas extremas da crise da União Europeia, com um desejando sair e o outro que, segundo alegam alguns, se está aproximando da saída. Em ambos os casos o nacionalismo muito vociferante, sobretudo à direita mas por vezes acompanhado por alguma esquerda apocalíptica, esconde um verdadeiro pânico perante a fragilidade do estado-nação. A Itália e o Reino Unido estão mais em crise do que a própria UE. O novo nacionalismo está impotente para resolver os problemas da crise ecológica, da globalização, da automação, dos refugiados, do terrorismo, do fundamentalismo, do separatismo, do regionalismo, da fuga aos impostos, do poder das multinacionais e das desigualdades à escala global. Daí a preferência por referendos, numa tentativa de superar tudo aquilo que as sociedades nacionais não conseguem deliberar de outra forma. Mas estes referendos têm aberto mais perguntas do que aquelas que fecham, num sinal de que é ainda mais por dentro que os estados continuam bloqueados.

E o pior de todos os bloqueios é aquele que corta as gerações de cada país ao meio: os jovens não se reconhecem na visão do mundo que os seus políticos tradicionais têm, mas muito menos na visão nacional-populista que os novos políticos agora lhes querem impor.

Para mim, que estou na geração do meio, ouvir o nome do Lorde Pânico foi um convite para trautear a música dos Smiths cuja letra começava “Pânico nas ruas de Londres, pânico nas ruas de Birmingham”. Profético, não é? Mais profético ainda era o fim: “a música que eles constantemente tocam não tem nada a ver com a minha vida”. Desconfio que os jovens de quase todo o mundo pensam ainda mais isso mesmo dos seus políticos de hoje.

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