A entrevista de António Costa vista à lupa

Os certos, os errados e os assim-assim da entrevista do primeiro-ministro à RTP.

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O primeiro-ministro falou, durante 50 minutos, à RTP Jornal Publico

Durante 50 minutos, na RTP, António Costa respondeu às perguntas de António José Teixeira e André Macedo sobre os grandes temas do momento, da Caixa Geral de Depósitos às PPP da Saúde, passando pela precariedade no Estado, pela dívida ou pelos pagamentos antecipados ao FMI. Algumas respostas foram evasivas e outras merecem uma prova dos factos.

A frase 

“Tudo o que foi acordado com o Dr. António Domingues foi escrupulosamente cumprido por parte do Governo.”

A análise: Costa é muito concreto na explicação de tudo o que foi cumprido relativamente ao acordo com António Domingues. A “ luz verde prévia da Comissão Europeia para a execução do plano de capitalização e reestruturação”; o “regime salarial quer da administração quer dos seus funcionários” compatível com o sistema de mercado; a não aplicação “do Estatuto de Gestor Público”. “O decreto de lei foi aprovado em Conselho de Ministros foi apreciado na AR, foi promulgado pelo PR, nunca ninguém teve dúvidas sobre o que dizia”, acrescentou Costa. Ainda assim, há uma questão que ficou por confirmar: O acordo incluía a questão das declarações de rendimentos? O Governo comprometeu-se a libertar Domingues e a sua equipa dessa obrigação? Costa nada disse sobre este ponto o que torna ainda mais importante a frase definitiva do secretário de Estado Ricardo Mourinho Félix: “Sim, foi intencional, sabíamos que isto [o fim do escrutínio público dos rendimentos dos novos gestores da CGD] seria uma consequência da sua retirada do Estatuto do Gestor Público”. S.S.

O veredicto: Errado

A frase

“Os créditos não desaparecem. Quem deve, continua a dever. E a Caixa continua a ter meios legais para agir sobre os devedores. O Estado não vai pagar por conta dos devedores.”

A análise: Ao injectar capital para ajudar a limpar o balanço, o Estado está a melhorar as condições de actuação do banco público. E, de facto, não se pode considerar que tal estratégia seja uma ajuda aos devedores, tal como não foi isso que aconteceu quando outros bancos fizeram o mesmo. A CGD pode e deve tentar recuperar pelo menos parte do crédito que concedeu, mas terá sempre perdas, mesmo que passe dívidas para uma terceira entidade. L.V.

O veredicto: Certo

A frase

“Ainda na semana passada foi antecipado em 2 mil milhões de euros o pagamento das tranches ao FMI, o que vai permitir uma redução de 40 milhões.  Não esteve em dúvida [esse pagamento]. Esteve em dúvida nos jornais.”

A análise: O reembolso antecipado de 2000 milhões de euros ao FMI, anunciado a 22 de Novembro, não estava previsto no calendário de pagamentos de dívida pública elaborado até essa data. Isso, aliás, ficou bem patente nos documentos oficiais que o IGCP, a agência que gere a dívida pública, disponibiliza aos investidores. Em Abril deste ano, já depois de terem sido amortizados 2000 milhões, ainda se previa o pagamento antecipado de outros 6600 milhões. No entanto, esse objectivo acabou por ser revisto pelo Governo por questões de tesouraria, deixando o IGCP de incluir dados sobre qualquer outro pagamento até ao final deste ano. Depois, de surpresa, e embalado pelo sucesso das Obrigações do Tesouro de Rendimento Variável (OTRV) e pelo adiamento da recapitalização da Caixa Geral de Depósitos (que implica a injecção de 2700 milhões de euros), decidiu-se no final de Novembro antecipar o pagamento de mais 2000 milhões ao FMI, poupando nos juros (já que ainda é mais barato ao Estado financiar-se nos mercados). L.V.

Veredicto: Errado

A frase

“[Foi possível obter] Da Comissão Europeia algo absolutamente decisivo, que era a capitalização da CGD, de forma a assegurar o fundamental que é mantê-la 100% pública.”

A análise: A 24 de Agosto, tanto o Governo português como a Comissão Europeia, através da comissária Margrethe Vestager, responsável pela Concorrência, anunciaram que "conseguiram chegar a um acordo de princípio sobre uma solução que inclui um plano de negócios abrangente para a CGD." Na prática a Caixa poderá ser recapitalizada numa verba que poderá ultrapassar os 5000 milhões de euros: 960 milhões de transformação das obrigações de capital contigente (Cocos) em capital; 500 milhões de transferência das acções da ParCaixa; 1000 milhões através de uma emissão obrigacionista destinada a investidores privados; e 2700 milhões de euros de injecção de capital pelo Estado. O plano não é, no entanto, totalmente definitivo. O comunicado da Comissão Europeia lembra que "os serviços da Comissão adoptarão agora as medidas necessárias para formalizar este acordo de princípio, sob a forma de uma decisão que será proposta ao Colégio de Comissários". V.C.

O veredicto: Certo, mas incompleto

A frase: 

“A trajectória da dívida vai começar a reduzir a partir do próximo ano.”

A análise: As previsões do Governo constantes da proposta de Orçamento do Estado para 2017 apontam para que a dívida pública comece, de facto, a decrescer em 2017, mas são previsões. Segundo a proposta de Orçamento, a dívida pública, em percentagem do PIB, deverá atingir 129,7% em 2016 e descer para os 128,3% em 2017. Também as previsões da Comissão Europeia apontam para que a dívida comece a descer em 2017. Segundo as previsões divulgadas no início de Novembro, a dívida pública portuguesa deverá atingir o seu ponto mais alto este ano, com 130,3% do PIB, descendo para 129,5% em 2017 e 127,8% em 2018. 

O veredicto: Certo

A frase:

“O investimento das empresas [no sector não financeiro] este ano é 7,7 % superior ao de 2015.”

A análise: Os dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística referentes ao segundo trimestre de 2016 confirmam os dados citados pelo primeiro-ministro. De facto, em termos nominais, o investimento das empresas, excluíndo o sector financeiro, aumentou 7,7% no primeiro semestre de 2016 face ao primeiro semestre do ano anterior. Já o investimento das empresas financeiras recuou 3,6%. No que diz respeito ao investimento público, aquele que é efectivamente controlado pelo Estado, registou no mesmo período uma queda de 31%. Quando se fala de investimento, no entanto, não se usam, por norma, estes referenciais, mas sim a evolução total do investimento, medido pela Formação Bruta do Capital Fixo. E aí, os dados são contrários à ideia de que o investimento está a recuperar. Na proposta de Orçamento do Estado para 2017, por exemplo, o Governo assume que no conjunto de 2016 hará uma queda no investimento: -0,7% quando em 2015 tinha aumentado 4,5%. Para 2017 a previsão do Governo é que o investimento aumente 3,1%. Já as previsões da Comissão Europeia divulgadas em Novembro dão conta de que o investimento deverá recuar 1,4% este ano, aumentar 3,7% em 2017 e acelerar para um crescimento de 4,1% em 2018. V.C.

O veredicto: Certo, mas incompleto

A frase 

“Não! Desculpe, isso [2 a 3 mil milhões de euros] não é o prejuízo deste ano. Não é o prejuízo deste ano.”

A análise: Os prejuízos a que o primeiro-ministro se estava a referir são os noticiados no passado sábado pelo Expresso em relação à Caixa Geral de Depósitos. Segundo o semanário, a Caixa poderá apresentar prejuízos entre 2000 e 3000 milhões de euros em 2016. Os prejuízos, a acontecerem serão de 2016. Mas a sua origem é que poderá não ser totalmente referente a 2016. Ou seja, poderá haver imparidades constituídas que afectarão as contas de 2016, mas que tiveram origem em créditos concedidos em datas anteriores. V.C.

O veredicto: Certo, mas incompleto

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