A luta do PCP continua e a renegociação da dívida é a próxima batalha

Num curtíssimo discurso, Jerónimo de Sousa deixou o caderno de encargos para os tempos mais próximos - com salário mínimo e a dívida no topo da lista. E vincou a identidade comunista para cimentar a coesão do partido.

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Enric Vives-Rubio

Se já tinham sido escassas as críticas ao Governo durante dois dias, elas nem apareceram no encerramento do XX Congresso do PCP. Jerónimo de Sousa optou por um discurso relâmpago de 15 minutos, invulgar para o encerramento de um congresso, mais dirigido para o interior do partido. Para isso, reafirmou a identidade e a base ideológica do PCP e desenhou o caderno de encargos para os próximos tempos, onde a renegociação da dívida tem especial destaque. O líder comunista vincou mesmo que a questão da dívida e da necessidade urgente dessa resposta alternativa é o “marco” deste congresso. O recado – único - ao PS está dado (mas sem lhe definir um calendário).

No pós-congresso, o PCP vai concentrar-se, a curto prazo, no aumento do salário mínimo para 600 euros já em Janeiro – António Costa já definiu o patamar para 2017 nos 557 euros e prometeu os 600 para 2019 -, e na batalha eleitoral das autárquicas do fim do Verão – que poderá ser uma espécie de termómetro sobre o que os militantes e votantes comunistas pensam realmente sobre a aproximação ao Governo PS.

Entretanto, será preciso alterar a lei laboral tendo em especial atenção o fim da caducidade da contratação colectiva e a reposição do tratamento mais favorável ao trabalhador, combater a precariedade – pela “aplicação do princípio de que a um posto de trabalho permanente deve corresponder um posto de trabalho efectivo” - e valorizar os serviços públicos de saúde, educação, transportes e cultura, enumerou Jerónimo de Sousa. Nitidamente pondo as cartas na mesa para o que será a aposta do PCP na Assembleia da República até Julho ou, no limite, para as negociações do orçamento de 2018.

A médio prazo, a grande batalha será a “renegociação da dívida pública”, nos prazos, juros e montantes, e o estudo para a saída de Portugal do euro. Mas Jerónimo não quer ainda simplificar tanto os conceitos no que diz respeito ao euro e prefere dizer que é preciso “desenvolver a acção da libertação da submissão ao euro”, que é indissociável da renegociação da dívida, numa altura em que esta consome oito mil milhões de euros anuais só em juros.

E sobre a moeda única, lá vai considerando ser “incompreensível” que o país não esteja preparado, tal como o é a “chantagem anual sobre o défice das contas públicas”. Foi até Carlos Carvalhas quem, no sábado, com a autoridade que o título de ex-líder lhe confere, dera o passo em frente, defendendo que Portugal deveria pagar a fatia real da dívida em escudos. Só com estes pressupostos, os da “política patriótica e de esquerda” sucessivamente repetida nos discursos comunistas, se conseguirá libertar recursos para potenciar o crescimento da economia, argumentou.

O aval ao compromisso

O congresso acabou por servir para caucionar o apoio comunista ao Governo. Ao contrário do que Jerónimo disse ao PÚBLICO em entrevista, de que não seria saudável a inexistência de vozes dissonantes, não houve mesmo qualquer crítica sobre o assunto. João Oliveira fez questão de garantir que não há um compromisso ou apoio do PCP ao Governo PS e que o seu partido mantém a total independência; Albano Nunes haveria de nomear Álvaro Cunhal para lembrar que o histórico preconizava uma solução como a actual.

Parece haver um pacto informal para meter as discordâncias na gaveta. Sinal disso é que a Resolução Política do congresso, que aborda o assunto e admite as limitações dos socialistas – devido à sua filosofia europeísta -, acabou aprovada por unanimidade. Noutros congressos, onde não havia polémicas tão grandes, o documento chegou a ter votos contra e abstenções. E disso, a conclusão de Jerónimo é simples: o congresso “valorizou o papel, a proposta e a iniciativa do partido (…) na nova fase da vida política nacional”. Portanto, a palavra de ordem neste campo é a deixada por João Oliveira: “Tirar o máximo” da parceria. Ou, como diplomaticamente disse Jerónimo, “levar mais longe a reposição e conquista de direitos”.

A intervenção focou-se também na identidade e das bases políticas do PCP, que o congresso “confirmou e reafirmou”: o partido da classe operária e de todos os trabalhadores, que proclama uma sociedade assente no “comunismo e socialismo e liberta da exploração e opressão capitalista”, e tem como base teórica o marxismo-leninismo de concepção materialista e dialéctica do mundo. O congresso ficou também marcado por muitas referências a Fidel Castro, numa altura em que o seu corpo ainda percorria a ilha de Cuba.

“Este partido não regateará nenhum esforço e nenhuma tarefa para defender e conquistar direitos”, mesmo perante um futuro “incerto, a crise do capitalismo e a resposta imperialista e de guerra, a crise na e da UE que empurra os problemas com a barriga”, prometeu o líder comunista. Tudo com o objectivo “supremo” de construir uma “sociedade liberta da exploração do homem pelo homem”. Ainda que, admite Jerónimo, “a concretização do fascinante projecto e objectivos por que lutamos, esse sonho milenar, possivelmente só será concretizado para além do horizonte das nossas vidas. Por isso, este é o nosso tempo de fazer, agir, lutar por este ideal.”

PS rejeita discutir euro

Em três dias não se citou o nome do primeiro-ministro nem houve referências ao actual Presidente da República – só Cavaco Silva recebeu uma vaia pelo apoio que deu ao segundo Governo de Passo Coelho -; ouviram-se apenas referências indirectas ao Bloco, e muitas, directas e constantes, a PSD e CDS.

Reagindo ao discurso de Jerónimo, que ouvira na bancada dos convidados, a secretária-geral adjunta do PS, Ana Catarina Mendes, elogiou o apoio dos comunistas ao Governo mas rejeitou liminarmente uma saída de Portugal do euro: “Não está em cima da mesa nem a saída do euro nem do projecto europeu. Continuamos a defender a necessidade do reforço da Europa.” Jorge Costa, citado pela Lusa, assinalou que o Bloco de Esquerda partilha da análise e propostas do PCP. E o PSD viu o discurso como uma “encenação”, uma vez que os comunistas são o “grande bastião” do Governo.

Se o cumprimento de horários e o comportamento dos delegados, que mantiveram a sala sempre praticamente cheia durante os três dias, são factos que comprovam a perfeita organização comunista, a eficiência com que a sala do pavilhão ficou arrumada em meia hora mostra a determinação e espírito de entreajuda dos militantes. Não será por desobediência que a luta se perderá. com São José Almeida

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