O cimento do poder chegou ao PCP

Sobre a estratégia do PCP face ao poder e as negociações com o Governo, as críticas foram zero.

É dos livros e da prática política que o poder governativo cimenta a unidade dos partidos em volta das lideranças e, ao fim de décadas, o fenómeno do cimento do poder chegou ao PCP. No XX Congresso, não só não se ouviram críticas internas à direcção por esta ter assumido uma orientação estratégica de entendimento e suporte parlamentar à governação do PS, como foi abandonado o discurso anti-governo.

Desde 1988 que mais ou menos abertamente e explicitamente, no palco ou fora dele, o PCP viveu momentos de grande confronto interno, os quais se mostravam nos congressos e sobretudo no período da sua preparação. E, na entrevista ao PÚBLICO, Jerónimo de Sousa assumiu mesmo que a existência de críticas era enriquecedora do debate.

Mas, este fim-de-semana em Almada, as críticas internas feitas por delegados na tribuna de oradores versaram apenas a autocrítica pelas falhas de organização, pelas dificuldades em conseguirem cumprir as tarefas partidárias de militância. O responsável pela Organização Regional de Lisboa na Comissão Política, Armindo Miranda disse mesmo: “Precisamos de mais organização.” Sobre a estratégia do PCP face ao poder e as negociações com o Governo, as críticas foram zero.

A nova realidade do PCP e a sua proximidade ao poder trouxe outra novidade. O Governo não só não foi assobiado, como não se ouviram críticas à governação. Os assobios ficaram guardados para quando eram mencionados nomes como o de Cavaco Silva. As críticas concentraram-se no anterior Governo do PSD e do CDS. Já discurso crítico contra governos socialistas, só chegaram ao anterior Governo do PS, liderando por José Sócrates, que foi incluído nos governos de direita.

A crítica feroz ao anterior Governo PSD-CDS e à sua política de austeridade, tal com a necessidade de romper com ela, foi mesmo apresentada como razão importante para o PCP ter aceitado assinar um protocolo de entendimento com o PS onde foram estabelecidos conteúdos concretos para a acção governativa.

Embora não tenham sido questionados e antecipando o esclarecimento de dúvidas que existissem sobre o apoio ao Governo do PS, no palco de Almada sucederam-se os dirigentes comunistas que trataram de sublinhar a justeza das razões que levam o PCP a apoiar o PS. E a enumerar as conquistas negociais.

A começar pelos discursos do secretário-geral. Passando pela do líder parlamentar, João Oliveira, que repetiu a tese da autonomia comunista: “Não fazemos nossa a política do PS. Não desistimos do nosso programa nem do objectivo imediato de romper com a política de direita e concretizar a política alternativa, patriótica e de esquerda pela qual continuamos a lutar.”

Mesmo o histórico guardião da doutrina do PCP, Albano Nunes subiu ao palco para garantir que a coerência do partido não só não estava em causa, como o presente apenas concretizava a estratégia de compromissos que o PCP defende desde o PREC (Processo Revolucionário em Curso de 1974/75).

Albano Nunes garantiu mesmo aos militantes que o pragmatismo de poder do partido, hoje, não contradita nem belisca os objectivos e o projecto revolucionário comunista – um projecto que vai concretizar-se, garantiu: “Vivemos uma época histórica de passagem do capitalismo ao socialismo, começada com a revolução soviética.”

Aliás, o reafirmar da identidade comunista, a filiação na ideológica marxista-leninista, da natureza de classe, do papel de vanguarda da classe operária e de todos os trabalhadores e do carácter revolucionário do PCP foi uma constante e foi feita em termos idênticos aos de anteriores congressos. A diferença, se houve, foi por excesso de repetição das formas de o afirmar. E no regresso de um mar de punhos direitos erguidos, quando cantam hinos ou gritam palavras de ordem.

A reafirmação da matriz comunista esteve presente em inúmeras intervenções, da direcção aos militantes. Aparentemente convictos de que é possível assumir o pragmatismo de procurar hoje influenciar o Governo do PS para garantir conquistas para “a classe operária e todos os trabalhadores”, sem perder o “sonho” de um projecto revolucionário de “superação do capitalismo” que quer criar uma “sociedade sem classe”.

Em suma: a convicção de quem acredita que a revolução socialista pode não estar ao virar da esquina, mas está num horizonte futuro. Como disse Jerónimo de Sousa, no encerramento: “A concretização do fascinante projecto e objectivos por que lutamos - de a sociedade se libertar da exploração do homem por outro homem -, possivelmente só será concretizado para além do horizonte das nossas vidas.” 

Sugerir correcção
Ler 3 comentários