Costa e o governo do centro

Com a sombra da péssima gestão de Passos e Portas, PCP e BE ficaram entre a espada e a parede. A opção por um governo do PS, só do PS, com apoio parlamentar dual, foi o que se afigurou mais lógico e como única saída.

A última campanha eleitoral para a Assembleia da República colocou o PS numa encruzilhada estratégica. Havia que escolher entre uma mensagem de moderação, como tinha acontecido em 1995 e 2005, ou um posicionamento mais à esquerda que impedisse o crescimento do PCP e do Bloco.

Ganhou a segunda opção. A campanha foi marcada por uma linha programática de combate duro, uma linha discursiva de nós ou eles e uma linha de gestão comunicacional mais rubra.

O resultado foi o que foi. O PS teve um produto aquém do esperado a norte do Tejo e melhor nos distritos a sul. Na análise houve também divergência no que representava a nova constituição parlamentar. Com o crescimento do BE e a manutenção do peso eleitoral do PCP a nossa opinião foi clara — o PS não tinha segurado o eleitorado do centro, mais moderado e também não tinha sido muito proveitoso no campo dos outros partidos mais à sua esquerda.

A composição parlamentar permitiu, no entanto, um governo muito interessante. Com a sombra da péssima gestão de Passos e Portas, PCP e BE ficaram entre a espada e a parede. A opção por um governo do PS, só do PS, com apoio parlamentar dual, foi o que se afigurou mais lógico e como única saída, tendo em conta o enquadramento constitucional que se vivia.

Há quem diga que as sondagens de hoje beneficiam o PS por esta solução à esquerda. Lamento discordar. As sondagens dão, se fizermos uma leitura conjunta de todas elas, uma quase estabilização dos apoios do BE e do PCP e uma forte descida do bloco conservador.

Então como entender o que se está a passar?

Talvez não seja muito agradável ouvir, mas o Governo de António Costa retomou o espaço do PS quando está ao leme do país, moderou a esquerda, governa ao centro. Pela nossa parte há um crescimento do crédito que lhe dedico, uma progressiva irmanação com os seus propósitos.

Dividamos a governação em três partes. No universo da tradicional soberania o Governo do PS afirma-se parte da UE, atlantista, valorizador das componentes da defesa e da segurança, é criador de um Estado eficiente e sem redundância. Nada disto é seguir à esquerda.

No universo das políticas económicas o PS afirma a sua obsessão pelo cumprimento dos nossos compromissos com a moeda única, a boa gestão que permita o melhor financiamento do país e da economia, mobilizador do investimento e promotor da concertação social como centro das políticas de rendimento e preços. Nada disto é o regresso do papão do coletivismo ou das nacionalizações.

No universo das políticas sociais o Governo assegura o SNS como grande consenso nacional, a Segurança Social sustentável e intergeracional, o apoio social tendo em conta a realidade dos agregados e das suas circunstâncias, a cultura como espaço de afirmação da cidadania. Aqui a esquerda moderna aproxima-se das restantes esquerdas.

Há quem diga que há, na Educação, uma forte opção pelos sindicatos e, por isso, o Governo estaria capturado. Convirá dizer que os socialistas e sociais-democratas sempre tiveram um papel relevante nos sindicatos dos professores e não é Mário Nogueira o monopolista do sindicalismo. Porém, aquilo a  que se assiste não é nada que já não se tenha visto. Entre 1995 e 1999 o PS teve, no Ministério da Educação, uma linha política muito próxima da que hoje se verifica. Muitos dos militantes da Escola Moderna se reviram em Ana Benavente e se reveem no atual ministério, não significando  qualquer radicalismo na sua proposição governativa.

Tudo isto pode afirmar-se como o resultado de uma ação que não mudou de sítio. Talvez o PSD e o CDS tenham transitado definitivamente para o radicalismo liberal; talvez o PCP e o BE tenham sentido que havia que vencer a desconfiança. Mas, olhando a realidade, Sá Carneiro, Balsemão ou Cavaco Silva apoiariam muitas das coisas  feitas.

Mais, essas coisas feitas merecem, perigosamente, uma outorga permanente de Marcelo. Não me consta que o Presidente se tenha transformado num indesejável esquerdista. A moderação, o espaço da esquerda ponderada e o centro político regressaram e as sondagens são disso a confirmação.

 

Ascenso Simões

Deputado do PS

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