Em busca de um secretário-geral do PCP: um problema adiado

O secretário-geral, bem como os membros dos outros organismos executivos do comité central, são eleitos por este órgão máximo de direcção e não pelos delegados ao congresso.

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A questão da substituição do líder começou a ser empolada na comunicação social depois da campanha das legislativas de 2015 Miguel Manso

A substituição de Jerónimo de Sousa no cargo de secretário-geral do Partido Comunista Português (PCP) não chegou a ser realmente equacionada na preparação do XX Congresso do PCP, que se inicia hoje e decorre até domingo no Complexo Municipal dos Desportos — Cidade de Almada. Neste momento, a saída do actual líder dos comunistas portugueses criaria problemas para os quais o PCP não tem resposta.

É certo que a possibilidade de substituir Jerónimo de Sousa, que agora perfaz 12 anos como líder, foi colocada no horizonte deste congresso, mas cedo a hipótese foi sendo abandonada — sobretudo, depois de o PCP ter assinado o protocolo de entendimento com o Partido Socialista (PS) e se ter tornado num dos partidos, ao lado do Bloco de Esquerda (BE) e do Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV), que apoiam e influenciam as opções e orientações do Governo.

O assunto foi tema de conversas internas na direcção máxima dos comunistas portugueses que envolveram a auscultação de membros do comité central. Nunca passou, porém, de uma abordagem exploratória.

Isto, porque se tornou evidente que, quer a solução pensada e apontada como sucessão, Francisco Lopes, quer qualquer dos nomes alternativos, não asseguravam nem a imagem de estabilidade interna, nem a confiança do eleitorado comunista em termos considerados aceitáveis e duradouros — num momento em que o PCP tem uma influência e um poder sobre as decisões de governação que, de acordo com a opinião de vários dirigentes comunistas, podem mesmo ser entendidos como superiores aos que teve há quatro décadas no PREC (Processo Revolucionário em Curso).

O limite de Jerónimo

A questão da substituição do líder começou a ser empolada na comunicação social depois da campanha das legislativas de 2015. Então, Jerónimo de Sousa apareceu fragilizado por um aspecto cansado. Na altura, a informação oficiosa fornecida pelo PCP, mas nunca assumida oficialmente, dava conta do facto de o secretário-geral ter partido para a estrada debaixo de uma "forte gripe".

A esta fragilização de imagem juntava-se um dado temporal: Jerónimo de Sousa lidera o PCP há 12 anos, ou seja, desde 2004, quando substituiu Carlos Carvalhas que foi líder 12 anos (1992-2004), depois de ter sido secretário-geral adjunto (1990-1992) do líder histórico do PCP, Álvaro Cunhal. Ora, havia uma espécie de indicador temporal assinalado como limite de mandato de liderança, mas que de facto nunca passou disso mesmo: uma hipótese de indicador temporal.

A possibilidade da substituição começou então a ser noticiada, tendo sido alvo de uma resposta do dirigente histórico do PCP e actual membro do Conselho de Estado Domingos Abrantes numa entrevista a Maria Flor Pedroso, na Antena 1, em Fevereiro. Aí Domingos Abrantes foi cristalino a desfazer a ideia de que estava iminente a substituição: "Se Jerónimo de Sousa achar que tem condições anímicas, deve continuar."

A verdade é que, já então, a opção da permanência de Jerónimo de Sousa à frente do PCP estava em fase avançada de sedimentação dentro da direcção. A popularidade e a simpatia que o líder do PCP granjeia, mesmo junto da população que não vota PCP, é um factor de segurança e de continuidade. Um critério a que se juntou também a necessidade de não criar ondas de choque na imagem pública do relacionamento institucional com os socialistas. A durabilidade e a antiguidade do mandato de Jerónimo de Sousa eram garantias de confiança para fora, quer para o eleitorado, quer para o PS.

Pedigree operário

Por outro lado, a direcção do PCP apercebeu-se de que não é fácil substituir agora o líder, porque os eventuais substitutos não estão à altura de assegurar a liderança com patamares de aceitação interna e externa minimamente desejáveis.

Há muito que Francisco Lopes era apontado como a figura que um dia substituiria Jerónimo de Sousa. Aos 61 anos, Francisco Lopes é mesmo visto como um número dois informal da direcção comunista e até há quem considere que é ele a pessoa que mais poder interno e peso detém no aparelho comunista.

É membro da comissão política e do secretariado desde 1990, promovido então por Álvaro Cunhal, que o apresentou como uma estrela de origem operária, já que era electricista. Há mais de duas décadas que Francisco Lopes vem sendo responsável por sectores como o do trabalho e o sindicalismo, bem como pela organização interna do PCP. A essas responsabilidades junta a liderança da lista eleitoral da CDU à Assembleia da República no círculo de Setúbal.

Embora ungido por Cunhal e tendo no pedigree político o facto de ser operário, quer a capacidade de Francisco Lopes passar na comunicação social ou junto ao eleitorado, quer os seus níveis comunicacionais e de popularidade não atingem, nem de longe, os de Jerónimo de Sousa. E isso poderia ser um problema para o PCP em termos de visibilidade pública, ainda que não fosse expectável que a liderança de Francisco Lopes criasse qualquer instabilidade na relação institucional com o PS, uma vez que este dirigente integrou e integra as reuniões bilaterais com o actual Governo, ao lado de Jerónimo, de Jorge Cordeiro e de João Oliveira.

 A "regra de ouro"

Um dos critérios pelos quais a promoção de Francisco Lopes foi impulsionada por Álvaro Cunhal e o seu nome apontado como o próximo secretário-geral tem que ver com o facto de o PCP se assumir como o partido vanguarda da classe operária. Esse pressuposto instituiu uma "regra de ouro": a de que o comité central, órgão máximo de direcção, tem de ser composto por uma maioria de membros de origem operária. Esta "regra de ouro" foi fixada por Álvaro Cunhal no livro O Partido com Paredes de Vidro.

Mas, como salientaram vários dirigentes comunistas ao PÚBLICO, essa regra não se aplica formalmente aos organismos executivos do comité central e muito menos ao cargo de secretário-geral. Aliás, o PCP só teve dois líderes de origem operária: Bento Gonçalves e Jerónimo de Sousa. Todos os outros eram intelectuais, basta lembrar Carlos Carvalhas e o próprio Álvaro Cunhal.

As outras hipóteses para substituir Jerónimo de Sousa no cargo que detém têm sido abordadas de modo informal, sobretudo na comunicação social, e são todas de militantes de origem intelectual: Bernardino Soares, João Ferreira e João Oliveira.

 A "frente institucional"

E "pior" do que isso para o imaginário comunista: fizeram e fazem carreira como representantes eleitos no Parlamento português, no Parlamento Europeu e nas autarquias — ou seja, são protagonista da "frente institucional", mas não têm qualquer relevância naquilo que de facto conta no PCP, o aparelho partidário.

O facto de estes três nomes serem referidos como hipóteses para suceder a Jerónimo de Sousa não garante que, quando a questão da eleição de um novo secretário-geral se puser na realidade, um deles venha a ser escolhido. O mesmo é válido para Francisco Lopes. O que é uma certeza é que o PCP adiou, ninguém sabe por quanto tempo, o problema da substituição de Jerónimo de Sousa.

E se os congressos comunistas se realizam com uma periodicidade de quatro anos, isso não significa que Jerónimo de Sousa não possa ser substituído antes ou depois do próximo congresso previsto para daqui a quatro anos. O secretário-geral, bem como os membros dos outros organismos executivos do comité central são eleitos por este órgão máximo de direcção e não pelos delegados ao congresso. A decisão passa assim para o novo comité central que sair de Almada, como Jerónimo de Sousa reconhece na entrevista que hoje dá ao PÚBLICO.

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