PCP mudou? “Não me posso pronunciar porque não estava cá”

Jerónimo de Sousa explica a solidariedade comunista com países como Cuba, China e Coreia do Norte. E garante que a demarcação feita no passado em relação aos regimes comunistas de Leste foi uma referência para outros partidos comunistas.

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O PCP mudou? "Não me posso pronunciar porque não estava cá" São José Almeida, Frederico Batista, David Dinis

O secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, que hoje abre o XX Congresso dos comunistas portugueses em Almada, assume o que o demarca dos erros do regime soviético: “Eu não concebo a construção de uma sociedade nova sem participação, sem mobilização dos trabalhadores e do povo português.” Abordando a situação dos países que o PCP assinalam nas Teses ao Congresso como experiências positivas, o líder do PCP elogia a capacidade de resistência ao “imperialismo da China, da Coreia do Norte e de Cuba. E elogiando Fidel, não assume as críticas que Álvaro Cunhal fez à revolução cubana.

Nas Teses, a crítica aos desvios e erros do regime soviético volta a ser matizada. O PCP sente que já não precisa de se demarcar da ditadura soviética?
O que fizemos foi - na altura com grande significado ao contrário do que havia aí por esse mundo fora - uma análise objectiva, procurando situar as causas das derrotas do socialismo, particularmente com a situação na União Soviética. São um conjunto de análises que serviram de referência para muitos e muitos outros partidos comunistas, em que existe um elemento que considero fundamental: um processo de governo que se distanciou dos trabalhadores e dos sentimentos do povo, não contou com a sua mobilização, a sua participação e a sua intervenção. Falando quase no plano pessoal, isto toca-me muito, porque eu não concebo a construção de uma sociedade nova sem participação, sem mobilização dos trabalhadores e do povo português.

Continua a considerar que a revolução russa e os regimes de Leste foram um avanço civilizacional?
Um avanço. A revolução russa conseguiu, e isso muitas vezes é escondido, derrotar um regime retrógrado e feudalista dos czares. Isso é um elemento de grande significado. Encetou um processo no plano de atribuição de direitos aos trabalhadores, às mulheres, direitos novos, emancipadores. Num país secularmente atrasado, tendo em conta esse regime czarista, que nos primeiros anos aproximou-se significativamente de países mais desenvolvidos. Teve um papel importante, já que falamos de civilização, na derrota do nazi-fascismo. Por muito que se possa dizer, é um facto. Sacrificando 20 milhões de soviéticos que deram a vida nesse combate. Um processo onde se demonstrou ser possível uma sociedade nova liberta da exploração do homem pelo homem.

Como é que o senhor vê hoje a figura de Fidel de Castro?
Fidel de Castro era um revolucionário, um homem que amava profundamente o seu povo e o seu país, que partindo de uma luta heróica, na Sierra Maestra conseguiu derrubar uma ditadura cruel e encetou um processo de construção de sociedade espantosa. Depois de sofrer agressões, aquele cerco económico brutal durante décadas, conseguiu resistir, conseguiu avanços significativos, com as dificuldades naturais que resultam deste cerco económico. Alguém já reflectiu o que é que aconteceria aqui ao meu país se esse cerco económico existisse e se prolongasse durante décadas?

Olhando para o que é a história das relações do PCP e do Partido Comunista de Cuba, estas relações nunca foram intensas. E tanto quanto eu sei, Álvaro Cunhal foi crítico e demarcou-se das vias revolucionárias e do esquerdismo de tipo cubano. O PCP mudou de posição em relação a essas críticas que no passado fez a Cuba?
Nós não fizemos essa crítica que está a dizer.

Desculpe, Álvaro Cunhal não criticou o regime cubano? O PCP tinha relações intensas com o PCP de Cuba?
Sobre esse passado não me posso pronunciar porque não estava cá. Mas, de qualquer forma, aquilo que posso dizer é que eu fui a Cuba, tenho uma relação com Cuba, eu e o meu partido.

Mas acha que não há nenhuma mudança de posição?
Mantemos a nossa análise em relação à revolução cubana, com votos de que tenha êxito, independentemente, digamos, de haver diferenças significativas, particularmente em relação ao próprio sistema político. Aquilo resultou num momento histórico concreto.

Outra experiência salientada nas Teses como positiva é a da Coreia do Norte. O que é que o Jerónimo de Sousa considera de positivo na ditadura da Coreia do Norte?
Essas perguntas fazem-me lembrar quase um regresso aqui há uns vinte anos atrás, mas adiante.

Há vinte anos continuam a dizer as mesmas coisas, portanto, as perguntas permanecem, não é?
Em relação à Coreia do Norte, como em relação à Cuba, em relação à China, em relação ao Vietname.

Já vamos à China. Aliás, posso citar [as Teses]: “China, República Popular da Coreia, Cuba, Laos e Vietname” que são considerados “países que afirmam como orientação e objectivo a construção de sociedades socialistas”.
Países que afirmam, sublinho, países que afirmam a construção do socialismo. Mas depois têm desenvolvimentos, as nossas Teses, designadamente em relação à avaliação crítica e até de clara demarcação a formas, a processos que levam um pouco àquela questão que eu colocava: a aceitação de modelos não é uma linha do PCP. Não. Somos nós próprios que vamos construir a sociedade nova à nossa maneira.

Certo. Isso ficou definido. A minha perplexidade é perceber o que há de positivo na ditadura da Coreia do Norte?
Explico-lhe no concreto. Por exemplo, há um processo de diabolização por parte do imperialismo em relação à Coreia do Norte, não me digam que não há.

Não estou a dizer nada, estou a perguntar.
Ainda noutro dia, dava comigo a pensar: enfim, [estão] preocupadíssimos com os ensaios nucleares na Coreia do Norte, que nós também não acompanhamos, continuamos a considerar que a solução deve ser política e não militar. Mas não dizendo que os EUA deslocam a sua Armada com armas nucleares para a porta da Coreia do Norte. Acham isso natural, não acham natural que um país cercado, isolado, colocando as coisas de forma muitas vezes erradas do nosso ponto de vista, que merecem crítica. Mas não se transforme o lobo no cordeiro. Quando num país se defende a sua soberania, seja na Coreia do Norte, seja em qualquer país do mundo, naturalmente tem sempre da parte do PCP uma posição solidária. A questão da soberania dos povos dos países hoje é o elemento central.

Como é que o senhor vê a adesão da China a critérios internacionais do capitalismo e às políticas de mercado?
A nossa avaliação obviamente é de acompanhamento, de análise. Nós colocamo-nos sempre…

Eu sei que o PCP teve posições muito críticas em relação à China, mas agora parece mais simpático em relação à China do que foi no passado.
Também em relação à China este elemento de afirmação soberana, de soberania daquele grande país, também é um elemento de avaliação positiva, tendo em conta que hoje o imperialismo procura o domínio hegemónico à escala planetária.

E não o preocupa que a China esteja a ceder a essa pressão?
Não. Nós avaliamos um percurso. Agora, pedia-me poder de síntese nas respostas, numa frase tentar explicar e desenvolver a situação na China sem consideração da sua história, da sua cultura, daquela realidade que não é a nossa, mesmo no plano mental, eu acho que é de uma ligeireza política que não é aceitável.

O que pensa da compra por empresários chineses das empresas portuguesas, como a EDP, o BCP e os seguros e o sector da saúde do antigo Grupo Espírito Santo? Como é que vê essa entrada do capital chinês em Portugal?
Quero dizer-lhe que desde a privatização da EDP, tomando os chineses uma posição significativa, nós afirmamos claramente que éramos contra a privatização. Considerámos que era um crime entregar um sector estratégico na mão dos estrangeiros e que o problema não era se era chinês, francês ou americano, o problema era entregar ao capital estrangeiro. Dissemos isso, como actualmente dizemos em relação à situação do Novo Banco como à área seguradora, como dizemos em relação aos CTT, comprada pelos americanos, ou em relação a outras áreas compradas pelos franceses. Aqui o problema de fundo não é o comprador. Aqui o problema é estar a vender aquilo que são ferramentas fundamentais para o nosso crescimento e para o nosso desenvolvimento económico soberano. E este é que é o problema. Agora, a origem do capital tem o valor que tem.

Mas dizendo o Governo que quer vender, havendo uma empresa chinesa, uma americana e de outras nacionalidades, faz diferença a quem vende?
O problema continua a ser sempre que o Governo queira vender aquilo que faz falta a Portugal.

Tanto faz que o empresário seja chinês ou seja americano?
O problema de fundo é político, não é de origem do capital. Não entreguem, não vendam aquilo que temos de melhor, esta é a posição do nosso partido.

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