Douro vai ser uma auto-estrada e operadores terão de pagar “portagens”

Numa altura de recordes de visitantes na via navegável, estima-se que as novas taxas impliquem um custo de 1,46 euros por cada passageiro. Empresas admitem repercutir gastos no preço dos bilhetes.

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Nova política tarifária será aplicada gradualmente ao longo de quatro anos Paulo Pimenta

O projecto da Via Navegável do Douro (VND), um investimento de 75 milhões de euros que está a ser levado a cabo pela Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo (APDL) com recurso a fundos comunitários, vai transformar este curso fluvial numa verdadeira auto-estrada, em que transporte de mercadorias e embarcações turísticas poderão circular, lado a lado, 24 horas por dia. E, está agora confirmado, vai haver a aplicação do princípio do utilizador-pagador de uma forma que está a deixar os nervos em franja aos operadores turísticos. Num momento em que o número de visitantes atinge recordes, estima-se que as novas taxas impliquem um custo de 1,46 euros por cada passageiro transportado, que as empresas admitem repercutir no preço dos bilhetes.  

As reacções oficiais e as tomadas de posição definitivas são remetidas para mais tarde, mas nenhum dos quatro principais operadores turísticos que utilizam intensivamente o rio Douro esconde os receios relativamente ao impacto que vai ter nas suas empresas a aplicação do novo tarifário da APDL durante o próximo ano.

Actualmente, estão autorizados a operar no segmento dos cruzeiros diários da VND cerca de 40 embarcações marítimo-turísticas, entre barcos rabelos e embarcações de médio e grande porte. Os três maiores operadores neste segmento, em número de barcos e capacidade de transporte, são a Barcadouro, a Rota Ouro do Douro e a Tomaz do Douro, que em 2015 foram responsáveis por cerca de 85% do total de passageiros movimentados. Em Agosto, estas três empresas decidiram deixar de transportar os seus clientes na Linha do Douro por causa da insuficiente capacidade de resposta da CP. Os passageiros passaram a ser transportados sempre de autocarro, enquanto continua a ser negociada uma solução definitiva e duradoura, sem que estes operadores baixem o tom do protesto pelo facto de estarem a amputar uma parte relevante do produto turístico que estavam a comercializar com sucesso.

Um milhão de passageiros em 2018

A APDL assumiu a jurisdição da VND a 1 de Junho de 2015. Nesse ano, o total de turistas transportados atingiu um valor recorde de 721.241. A tendência de subida deve manter-se e a administração portuária admite que o número de passageiros possa ultrapassar a fasquia mágica de um milhão em 2018.

Hoje a circulação de embarcações é apenas taxada pela utilização das eclusas de navegação, “a preços de 1999, nunca actualizados”, garantiu ao PÚBLICO a responsável pelo projecto da VND, Raquel Maia. “Na sua grande maioria, os restantes serviços e respectivos gastos de exploração incorridos, como seja a manutenção e assinalamento do canal de navegação, a gestão do tráfego fluvial, bem como a acostagem e estacionamento de embarcações, têm sido prestados pela APDL, ou pelas anteriores entidades gestoras da via navegável, graciosamente, sem o pagamento de qualquer contraprestação por parte dos utilizadores”, diz a administradora.

De acordo com a proposta que está actualmente em cima da mesa – e a que o PÚBLICO teve acesso – às taxas pela utilização das eclusas vão juntar-se uma por utilização da via e tarifas de acostagem, consoante o tipo de cais que é aplicado. Uma pequena embarcação de recreio que até agora não pagava por usar a via navegável passará a pagar 15 euros por ano em 2017, 30 euros em 2018, 45 euros em 2019 e 60 euros em 2020.

Segundo Raquel Maia, a nova política tarifária para a via navegável será implementada faseadamente, ao longo de quatro anos, “para minorar o seu impacto junto dos utilizadores”. As simulações da APDL apontam, no primeiro ano, para um gasto médio global para os operadores de 1,46 euro por passageiro transportado, um valor que oscila atendendo à tipologia das embarcações bem como ao tipo de cruzeiros efectuado.

Matar a galinha antes de ter posto os ovos

Os operadores estão ainda a tentar perceber se este novo tarifário pode ter consagração legal e, enquanto os advogados não chegam a conclusões, admitem já que estes custos irão repercutir-se na actividade marítimo-turística e que as empresas terão, forçosamente, de os passar para o cliente final. “Esta ameaça, conjugada com as deficiências do serviço ferroviário na Linha do Douro, está a dificultar o planeamento da próxima época turística e a arrefecer os propósitos de investimento de algumas empresas. Podem matar a galinha sem que esta tenha posto todos os ovos”, admitiu ao PÚBLICO uma fonte próxima do processo.

Confrontados com as intenções da APDL, e em resposta conjunta enviada ao PÚBLICO, as três maiores empresas do segmento marítimo-turístico dizem que a questão tem “várias implicações” e “está ainda a ser analisada”. Também Mário Ferreira, dono da Douro Azul, líder no segmento dos barcos hotel, limitou-se a referir que “a matéria é sensível”. O empresário remete uma tomada de posição para Janeiro.

Raquel Maia argumenta que o incremento de rendimentos que a APDL espera obter com a implementação do novo tarifário “se destina unicamente a cobrir os gastos de exploração correntes relacionados com a via navegável”, não cobrindo as despesas com investimento que será necessário realizar nas infra-estruturas, nem os que estão previstos no projecto da VND.

APDL prepara terceira candidatura ao CEF

Portugal é o mais atrasado de todos os 19 países europeus que têm ligações fluviais desenhadas na rede estratégica de transportes TEN-T. A comissão quer fazer uma transferência do transporte de mercadorias da via rodoviária também para as ligações fluviais e a via navegável do Douro é a única que Portugal tem inscrita nessa rede. É também por isso que a APDL tem fortes expectativas de continuar a ver aprovados os projectos de investimento que tem candidatado à linha de financiamento Connecting Europe Facilities (CEF). Apresentado em 2015, o projecto global Douro’s Inland Waterway 2020 (DIW2020) já viu duas candidaturas aprovadas, uma de quatro milhões de euros e outra de quase de dez milhões.

Actualmente, estão em curso diversos projectos de requalificação dos cais fluviais, assim como a execução de um novo centro de controlo de navegação na Régua, a partir do qual se fará a gestão integrada dos sistemas de informação à navegação (River Information Services), que trarão uma importante melhoria nas condições de segurança de navegação e que tem conclusão prevista para Janeiro de 2017.

Na terceira chamada em que a APDL vai participar (o prazo para apresentação de candidaturas termina a 7 de Fevereiro), pretende-se ver aprovados investimentos estruturais que resolvam os estrangulamentos à navegação encontrados no rio. Trata-se das obras de alargamento e aprofundamento do canal em dois troços, de Cotas a Valeira e de Saião ao Pocinho, nos quais há 25 metros de largura e uma profundidade limitada, com capacidade apenas para embarcações com calado até dois metros. Esta correcção do canal visa garantir uma largura mínima de 40 metros em leito rochoso e 60 metros em leito aluvionar e uma profundidade mínima de 4,20 metros em toda a extensão dos 210 quilómetros, desde a Foz do rio Douro até Vega-Térron, em Espanha. 

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