Orçamento do Estado 2017 – Oportunidade perdida para um novo patamar de crescimento económico

1. O Forum para a Competitividade organizou mais um seminário sobre o Orçamento de Estado (OE) convidando  especialistas em macroeconomia, fiscalidade e finanças públicas. Aproveitamos essas intervenções para transmitir um conjunto de ideias para a elaboração de novas políticas públicas num ambiente de excessiva carga fiscal.

Foram assinalados como positivos, o controlo do déficit, a continuidade de um pequeno superavit nas contas externas e a descida do desemprego, bem como o facto do crescimento do 3º trimestre de 2016 se dever ao aumento das exportações e os níveis elevados da dívida pública, das famílias e das empresas continuam a representar um risco enorme face a qualquer alteração da política do BCE ou sobressalto das mudanças políticas nos EUA.

A falta de capital em Portugal e os baixos fluxos de IDE para o sector de bens transaccionáveis, a par de um crédito às empresas que continua a descer, explicam em parte os fraquíssimos números do Investimento, apesar do aumento das nossas exportações justificar investimentos de reforço da capacidade produtiva. Também a fraca execução dos fundos estruturais europeus, em 2016, contribui para o mau desempenho do investimento.

O retorno da dívida pública a uma trajectória ascendente e a discussão permanente sobre as dificuldades do sistema financeiro não ajudam. Pela nossa parte, não contribuiremos com mais comentários sobre a situação da CGD (por mais extraordinária que seja), respeitando o desejo do ministro das Finanças de que não se fale no assunto.

Por outro lado, devem referir-se como negativas as reversões das privatizações/concessões e o aumento significativo da despesa pública, onde se incluem a redução dos horários de trabalho (veja-se, por exemplo, o aumento dos custos de trabalho em 7%, no 3º trimestre de 2016, nos sectores onde a Administração Pública é preponderante).

A reversão da reforma do IRC (acordada entre a anterior maioria e o PS) e a redução da credibilidade negocial do Estado português impediram o nosso regresso ao “radar” dos potenciais investidores de que tinhamos sido compreensivelmente afastados pelo pedido de ajuda externa.

No caso particular da “saúde”, uma das áreas maior consumidora de recursos públicos, subscrevemos o apelo para que se crie uma lei de meios do SNS que permita ter uma perspectiva plurianual face à dinâmica da despesa que os sectores da saúde e da segurança social inevitavelmente trarão.

Concluímos, portanto, que não há plano de redução da despesa pública, que não há planeamento plurianual e que mais tarde ou mais cedo isso trará necessidades acrescidas de receitas fiscais.

Sem políticas micro-económicas enunciadas de forma clara e aplicadas consistentemente (imaginamos aliás as dificuldades dessa negociação com parceiros anti-euro, anti-economia de mercado e anti-iniciativa privada) e sem um ambiente geral favorável ao investimento das empresas, o sistema fiscal torna-se quase a única área onde o governo pode actuar. E, no que diz respeito ao contencioso fiscal, a margem de progresso ainda é grande, apesar das medidas anunciadas neste OE de redução das garantias prestadas pelo contribuinte em caso de recursos em processo contencioso, por parte do Estado.

É com esta perspectiva da importância única da política fiscal que me dirijo ao Ministério das Finanças apelando a que não se repita um período de discussão tão longo, como o que mediou entre o anúncio do chamado “imposto Mortágua” até às últimas alterações do debate na especialidade do OE, levando todos os agentes económicos a ficar com uma percepção que suspeito seja pior que a realidade. E a realidade já será, infelizmente, dissuasora para um sector, como o do imobiliário turístico, que constitui a forma de tornar “transaccionável” um sector em que o país está fortemente investido e hipotecado.

Precisamos, em suma, de discutir seriamente o que podemos fazer numa óptica de médio prazo para aproveitar tantos aspectos muito favoráveis de que Portugal dispõe neste momento:

Acesso muito confortável ao financiamento da dívida, em termos de quantidade e de taxa de juro; Custos energéticos a níveis historicamente baixos; Uma Comissão Europeia disposta a facilitar quase tudo para não arranjar problemas no período das eleições dos países que se consideram como importantes para a Europa; Um afluxo turístico fortemente alavancado pela instabilidade no Médio Oriente e nos actos de terrorismo na Europa; Um ambiente de paz sindical.

A alteração estrutural da economia portuguesa que o programa de ajustamento económico e financeiro desencadeou (e em que quase ninguém acreditava) é uma realidade  que nem o anúncio público de que a nova política governamental seria a de estimular a procura interna conseguiu contrariar. Todos os que se voltaram decididamente para o exterior foram ganhando quota de mercado e cresceram, trimestre a trimestre, surpreendendo os que não gostam deste modelo de desenvolvimento, mesmo sendo ele a única fonte previsível da criação de mais e melhores empregos.

É indispensável e possível crescer muito mais depressa. Basta ver todos os países da União Europeia que nos ultrapassaram em riqueza por habitante (Malta, Eslovénia, República Checa, Eslováquia, Estónia e Lituânia) e reparar no crescimento da Espanha. A narrativa de que estamos empobrecidos por causa dos choques externos não é válida… os outros países europeus também tiveram de os enfrentar.

Sentimos que, infelizmente, o Governo não quer colaborar com o sector privado na definição de objectivos de médio prazo, na selecção das medidas, na condução concreta da política de angariação de investimento. Não deixa, por isso, de ser ainda mais importante que nos consigamos, em Portugal, pôr de acordo sobre uma plataforma mínima de políticas e medidas indispensáveis para que se possa alcançar um outro patamar de crescimento que o Forum para a Competitividade insiste que seja, no mínimo, de 3% ao ano. É com este tipo de crescimento que será possível ter progressos saudáveis ao nível da valorização do trabalho, dos salários e do emprego.

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