Volta à França

A degradação do discurso na política francesa vem de longe. E a culpa não é só da extrema-direita no país, como da sua direita e da sua esquerda.

Quem olhar para as sondagens eleitorais em França fica relativamente descansado, mesmo que já não acredite muito em sondagens. O mais provável, segundo estas, é que aconteça a Marine Le Pen o mesmo que aconteceu ao seu pai em 2002 e ao seu partido nas últimas eleições regionais: passa facilmente à segunda volta mas não consegue os votos necessários para ser eleita.

Mas essas não são as únicas sondagens.

Recentemente, a empresa de sondagens YouGov perguntou a pessoas de vários países o que achavam da globalização, da imigração e do lugar do seu país no mundo. Essas sondagens “atitudinais” têm sido os guias mais fidedignos para entender a composição dos resultados no referendo no Reino Unido ou da eleição nos EUA. Perguntem a uma pessoa o que acha da imigração e saberão melhor como vota do que se lhe perguntarem quanto ganha, de que classe é ou onde vive.

Qual foi o resultado em França? Muito simples: a França é de longe o país ocidental, o país mais rico, e o país com o estado social mais intacto que mais medo tem da globalização, dos imigrantes e, numa palavra, do futuro. Metade dos franceses acredita num impossível “o meu país deveria satisfazer às suas necessidades sem importações” (só equiparável ao estado da opinião pública na Indonésia e na Índia). Quase metade acha que a imigração é má, contra menos de um quinto que acha que ela é boa (sem comparação no resto da Europa Ocidental). E a França é o único país do mundo avaliado neste estudo que tem mais gente a achar que a globalização é má do que a achar que ela é boa apesar dos seus problemas.

Para finalizar, a França é o país onde as pessoas têm pior imagem do seu próprio país. Tudo junto, péssimas notícias para as eleições do próximo ano.

Antes que me digam que a França pode ser rica e ser o país do mundo com mais gastos sociais (segundo a OCDE, sim, acima da Finlândia e da Suécia ) mas que isso não impede que tenha medo da globalização e ressentimento contra a Europa, considerem o seguinte. A França manteve o seu estado social beneficiando da globalização; a sua indústria está nos quatro cantos do mundo e, no caso do armamento como do petróleo, com uma atitude predadora que não fica a dever a nenhum país ultra-liberal. A França manteve a sua estrutura de despesa social, além de setores inteiros da economia, à conta da Política Agrícola Comum da UE. E a imigração? Bem, a imigração reconstruiu a França, limpa a casa à França e cuida dos bebés e velhos da França há mais de 40 anos.

E no entanto os franceses acreditam no que acreditam. Até porque — como se passou no Reino Unido do "Brexit" —, não é possível passar anos a dizer às pessoas que o seu país é vítima da globalização, da imigração e da Europa e depois dizer-lhes a dois dias das eleições para não acreditarem nisso.

A degradação do discurso na política francesa vem de longe. E a culpa não é só da extrema-direita no país, como da sua direita e da sua esquerda. A esquerda francesa capitulou perante a extrema-direita no capítulo do universalismo e há anos que se dedica a revender a ideia de que a Nação (com N grande) pode resolver tudo. Sarkozy foi mais longe ainda e proclamou que uma Nação é, essencialmente, a sua fronteira. Tendo o resto dos políticos feito o serviço a Marine Le Pen, bastará a esta dizer na campanha que se aproxima que defenderá mais e melhor a Nação e a Fronteira e o seu serviço estará feito.

Os problemas da França, lamento dizê-lo, foram causados pelos franceses. Não foi a UE nem a globalização que mandaram à França congelar as suas hierarquias sociais. Não foi a globalização nem a UE que exigiram à França segregar os seus subúrbios. Não foi a UE nem a globalização que sugeriram à França ter uma política completamente hipócrita no mundo árabe. Foi a França que se meteu neste buraco. O problema é que ainda nos pode arrastar a todos lá para dentro.

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