RTP volta a ser investigada por causa de "manif" de 2012

Caso da cedência de imagens à polícia foi reaberto, por ter sido mal investigado após queixa de ex-dirigente do MRPP. Garcia Pereira salienta importância jurídica da decisão.

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Não foi uma manifestação pacífica, aquela que se realizou a 14 de Novembro de 2012 Miguel Manso

O Ministério Público vai ser obrigado a investigar outra vez o chamado “caso dos brutos”, em que a RTP cedeu à polícia imagens não editadas da manifestação de Novembro de 2012 defronte do Parlamento. Um então dirigente do MRPP que participou no protesto não se conformou com o arquivamento de uma queixa que apresentou tanto contra a estação televisiva como contra a PSP. Quatro anos passados, o Tribunal da Relação de Lisboa mandou reabrir o inquérito.

Não foi uma manifestação pacífica, aquela que se realizou a 14 de Novembro de 2012 contra as medidas de austeridade do Governo: de manifestantes agredidos à bastonada, até jovens revistados e fechados em celas sem terem sido formalmente detidos, foram vários os momentos de violência policial e os atropelos à lei pelas autoridades, viria a concluir a Inspecção-Geral da Administração Interna, num relatório mantido em segredo até ao ano passado.

Além de ter efectuado as suas próprias filmagens, a PSP pediu à RTP as imagens captadas pelos seus operadores de câmara ao longo de mais de seis horas. O caso levou à demissão do então director de informação da estação, Nuno Santos, que sempre alegou nunca ter autorizado o visionamento dos “brutos” pelas forças de segurança. E se a Entidade Reguladora para a Comunicação Social entendeu que tudo se tinha ficado a dever à falta de normas internas na RTP para gerir este tipo de solicitações, já o conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República disse não ser admissível este tipo de iniciativa por parte da polícia sem prévia autorização do Ministério Público.

Abuso de poder, gravações e fotografias ilícitas, violação de segredo por funcionário e acesso indevido foram os quatro crimes de que Domingos Bulhão, que ainda pertencia ao comité central do MRPP, se queixou: dizia-se lesado nos seus direitos de manifestante. Sem sucesso: o Ministério Público arquivou o caso e quando Bulhão tentou, mesmo assim, levar o processo por diante, pedindo a abertura de instrução, a juíza encarregue de analisar o caso voltou a arquivá-lo. Alegou, entre outros, que não tinha legitimidade para apresentar queixa, uma vez que as imagens haviam sido recolhidas num evento público e com uma finalidade lícita.

O que vieram agora dizer os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa é que a investigação feita pelo Ministério Público ficou incompleta, por não terem sido ouvidas várias testemunhas – entre as quais um membro da comissão de trabalhadores da RTP. Tudo diligências consideradas “absolutamente essenciais para a descoberta da verdade”.

Contactado pelo PÚBLICO, o advogado do queixoso, o também ex-MRPP Garcia Pereira, considera a decisão de enorme importância, por estabelecer que a investigação feita pelo Ministério Público está necessariamente sujeita ao escrutínio do juiz na fase seguinte, de instrução do processo – “apesar de o Ministério Público ter a concepção de que pode fazer o que entende durante o inquérito”. No entender do Tribunal da Relação de Lisboa, o processo foi arquivado com violação de princípios constitucionais, uma vez que o Ministério Público não pode nunca ser encarado como uma entidade “insindicável e jurisdicionalmente incontrolável”. 

“Ao juiz de instrução compete sindicar a actuação do Ministério Público”, pode ler-se no acórdão da passada semana.

Não foi possível obter uma reacção da RTP sobre a reabertura do processo até ao fecho desta edição. 

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