Um AsSALTO para mostrar o património escondido do Porto

Iniciativa vai abrir as portas de edifícios marcantes, que vão ser reabilitados e alterados. Desenhos e textos procuram chamar a atenção para espaços desconhecidos de forma a preservar as suas memórias.

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Antes que a mudança chegue, a proprietária acedeu a receber o primeiro AsSALTO Nelson Garrido
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Antes que a mudança chegue, a proprietária acedeu a receber o primeiro AsSALTO Nelson Garrido

Se calhar não está a ver bem o edifício que tem a morada Rua de Sá da Bandeira, 605, Porto. É aquele cor-de-rosa (o mesmo rosa da Casa de Serralves e isso, se calhar, não é coincidência), onde provavelmente nunca entrou, mas que vai agora abrir-lhe as portas desvendando segredos bem guardados. Os elevadores antigos, o trabalho em ferro dos portões internos, as campainhas como já não há, os candeeiros art-déco e o interior de apartamentos vazios há demasiado tempo. O AsSALTO convida-o a entrar, na próxima quarta-feira, a partir do meio-dia, desde que esteja disposto a fazer um desenho ou a escrever algo sobre o que lá vai dentro.

Vai ser o primeiro AsSALTO da cidade, mas certamente não será o último. A actividade satélite, nascida no âmbito do projecto A Colecção de Desenhos. Escola de Arquitectura do Porto, do Centro de Estudos da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP), tem como mentores Noémia Herdade Gomes, professora auxiliar de Desenho da FAUP, e os dois doutorandos Carlos Machado e Moura e Rui Neto, e pretende mostrar e preservar a memória do “inestimável património construído anónimo”, em vias de transformação, explica Noémia. Começa no Porto, mas está disposta a saltar as fronteiras da cidade.

“O Porto está a transformar-se de forma radical. Para melhor, mas de forma muito apressada”, diz Carlos Machado e Moura, enquanto Noémia Herdade Gomes ouve e complementa: “Em muitas intervenções, mantém-se a fachada e o que está dentro é negligenciado, transformado em pladur, completamente descaracterizado”. Os exemplos saltam dos lábios de ambos: o quarteirão das Cardosas, o de D. João I, o hotel que Mário Ferreira está a construir na Avenida dos Aliados. Os dois – Rui Neto não pôde estar presente – avisam que não querem ser “moralistas”, mas encontrar uma forma de, com tempo, chamar a atenção e ajudar a preservar (nem que seja na memória) esses espaços desconhecidos que, em breve, poderão deixar de existir.  

“Quisemos fazer algo que implicasse desenho e escrita porque ambos obrigam a um modo de olhar para as coisas com tempo”, explica Carlos. O primeiro espaço escolhido foi o prédio mandado construir pelo empresário Delfim Ferreira (que haveria de comprar a Casa de Serralves e os seus terrenos), nos anos 40 do século passado, seguindo um projecto dos arquitectos portuenses Eduardo Martins e Manuel da Silva Passos Júnio e do engenheiro de estruturas Francisco Sarmento Correia de Araújo. Situado no coração do Porto, o prédio com cinco pisos está despido de pessoas há cerca de quinze anos, com excepção de uma escola de línguas que ocupa um dos andares. Recentemente, os herdeiros do edifício chegaram a acordo e um deles comprou todo o prédio, que deverá sofrer uma intervenção que o irá dotar de mais apartamentos e menos espaços de escritório – só os dois últimos pisos estavam consignados à habitação.

Antes que a mudança chegue, a proprietária acedeu a receber o primeiro AsSALTO. As portas dos antigos apartamentos vão abrir-se a quem quiser espreitar, desenhar o espaço ou algum dos seus pormenores e escrever algo sobre ele. Um trabalho de preservação da memória da cidade deixado à liberdade de cada um, mas ao qual os autores não se devem apegar demasiado, porque a intenção dos mentores do AsSALTO é guardar pelo menos parte destes testemunhos que, no futuro, poderão ser compilados em livro.

A iniciativa é aberta a todos e, enquanto houver luz, as portas devem manter-se abertas. Não há periodicidade nem um plano para seguir à risca, apesar de Noémia já ter identificado mais dois espaços para os próximos AsSALTOs, um dos quais um consultório também dos anos 20, ainda perfeitamente equipado, mas que deverá ser desmantelado, num edifício que já foi reabilitado. “Queremos mexer com qualquer coisa, com esta intervenção. Veja-se esse consultório, por exemplo. Se calhar, espaços como esse podem ser preservados, se calhar quem recupera um edifício pode ganhar em manter uma célula como essa”, diz a professora de Desenho.

Não há, para já, datas para os próximos AsSALTOs, que serão devidamente anunciados na página criada para a iniciativa (assalto.pt), mas Noémia e Carlos querem que, pelo menos, mais um se realize ainda este ano. Depois, há que encontrar novos espaços. A professora diz que, na busca de novos locais de interesse, há duas hipóteses: “Ou as pessoas vêm ter connosco ou nós vamos ter com as pessoas”. Para isso, estão dispostos a bater a muitas portas, perguntando a proprietários e investidores se não se importam que haja um AsSALTO no prédio ou fracção que estão em vias de reabilitar, antes que tudo se transforme. E, avisa, a iniciativa não tem que ficar cingida ao Porto. “Estamos abertos a ir para outras cidades, outros locais que encaixem no nosso objectivo”. Carlos completa: “À partida não procuramos espaços em ruína, mas locais que têm coisas para as quais vale a pena olhar. O nome da iniciativa, escolhido em conversa, tem a ver com essa ideia – um assalto à memória que existe, um abrir de portas desses locais e também um assalto ao nosso imaginário, do que aquele espaço poderia ser”. A descoberta desta cidade escondida começa agora.

Corrige a década de construção do edifício para os anos 40, em vez dos anos 20.

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