Trump Tower, uma segunda Casa Branca na 5.ª Avenida

A polícia de Nova Iorque está a gastar cerca de um milhão de dólares por dia desde que Donald Trump venceu as eleições. E o Presidente eleito já fez saber que planeia passar muito tempo no meio do caos da grande cidade.

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A 5.ª Avenida em frente à Trump Tower transformou-se numa espécie de “Zona Verde” Alexandre Martins

Sempre que a Carris desvia rotas por causa das obras em Lisboa ou por outra razão qualquer, ou que as bilheteiras do Metro da cidade deixam os utilizadores a carregar nos ecrãs furiosamente até perceberem que a resposta nunca vai chegar, o Facebook e o Twitter explodem em queixas de que assim não pode ser, isto já foi longe demais. Agora mudemos o cenário para Nova Iorque, mais precisamente para a famosa e sobrelotada 5.ª Avenida, em Manhattan, onde milhões de pessoas trabalham, fazem compras, tiram fotografias a tudo o que vêem e empurram-se umas às outras mesmo sem quererem: pela primeira vez na História dos Estados Unidos, o futuro Presidente já fez saber que vai passar muito tempo no meio desse caos, e a sua mulher quer viver lá pelo menos até ao próximo Verão, para que o filho de ambos, o pequeno Barron Trump, termine a 4.ª classe.

Donald Trump ainda não disse o que vai fazer depois do Verão – se vai continuar a fazer visitas regulares ao apartamento luxuoso em Manhattan, como se fossem visitas a uma qualquer casa de campo mais ou menos isolada, ou se vai ficar quase sempre na Casa Branca –, mas para já uma coisa é certa: até ao dia 20 de Janeiro, data da tomada de posse, a sua equipa de transição vai morar na Trump Tower e o Presidente eleito faz saber que vai visitar Melania e Barron todos os fins-de-semana até ao fim do ano escolar.

E para que interessa isto tudo? Para Lisboa, nada. Mas para Nova Iorque representa uma das maiores operações de segurança de sempre, mesmo numa cidade habituada às maiores operações de segurança de sempre. Ao todo, avançou a CNN, a polícia de Nova Iorque está a gastar cerca de um milhão de dólares por dia desde que Donald Trump venceu as eleições, no dia 8 de Novembro. Se as contas não falham, a NYPD vai desembolsar 73 milhões de dólares durante os 73 dias que separam a eleição da tomada de posse.

E isto é só o começo, disse o mayor da cidade, Bill de Blasio, numa conferência de imprensa que juntou comissários da polícia, membros dos Serviços Secretos e representantes de vários departamentos da câmara local, principalmente dos transportes.

“Nunca fomos confrontados como uma situação em que um Presidente dos Estados Unidos da América vai estar na cidade de forma regular. Os detalhes dos seus planos para o futuro são desconhecidos, mas sabemos que até à tomada de posse ele vai estar cá quase todos os dias. A polícia de Nova Iorque e a cidade estão à altura, não tenho dúvidas sobre isso.”

Mas o responsável máximo da cidade também deixou um aviso para o Governo federal, num recado a meias para o actual, liderado por Barack Obama, e para o próximo, gerido por Donald Trump – quando vai o país pagar a Nova Iorque esses milhões e milhões de dólares pela segurança do Presidente eleito?

De Blasio nunca disse directamente que tem medo de não conseguir enviar a factura a ninguém, mas deixou uma mensagem em forma de lição de História recente: “A protecção da polícia de Nova Iorque a líderes mundiais e ao Presidente dos Estados Unidos não é uma novidade. Houve situações no passado em que os custos dessa protecção foram reembolsados. A diferença é que esta situação em particular nunca tinha acontecido, por isso vamos ter de estabelecer um novo conjunto de regras. Essa discussão começou agora e vai continuar depois da tomada de posse.”

Ainda antes do dia das eleições, a segurança à volta da Trump Tower, na 5.ª Avenida, já era bem visível – havia grades de protecção e camiões carregados com areia a tapar a entrada de uma esquina à outra, apanhando as luxosas lojas Gucci e Tiffany’s, que amparam o também luxuoso edifício. Não se podia caminhar em frente à torre onde a família Trump vive, mas a operação de segurança não era tão forte como agora: no dia das eleições, durante uma curta troca de palavras como um agente, um homem que queria passar as grades e entrar no edifício conseguiu convencer a polícia quando disse que era o dono de uma das empresas. Grades afastadas e o dono pôde passar sem mais perguntas.

Mas depois do dia 8 de Novembro, e principalmente depois da grande manifestação da tarde e noite de 9 de Novembro, que juntou umas 20 mil pessoas na 5.ª Avenida em frente à Trump Tower, a zona transformou-se numa espécie de “Zona Verde”, um pouco à imagem do que acontece com os edifícios oficiais norte-americanos em países como o Iraque: para além dos autocarros com areia e as grades de ferro, agora há blocos de cimento a cortar a passagem de automóveis e de pessoas numa zona central de Manhattan, onde costumam passar 140 autocarros de transportes públicos só na hora de ponta de manhã.

Há atiradores furtivos nos telhados, agentes dos Serviços Secretos atentos a tudo, polícias a pedir identificação a quem quer trabalhar ou voltar ao seu apartamento na Trump Tower, elementos das equipas de contraterrorismo com armas pesadas e fatos anti-radiação. Aviões por cima da torre nem vê-los a menos de 900 metros de altitude, nem os que saem do aeroporto LaGuardia – as ordens estão em vigor pelo menos até ao dia 21 de Janeiro, um dia depois da tomada de posse, e a autoridade que regula a aviação civil já avisou que as violações podem ser punidas com “força militar mortal”.

E o pior é cá em baixo, onde quem quer ir para o trabalho, ver as vistas ou fazer compras na Gucci ou no Best Buy, conforme as bolsas, tem de fazer mais exercício do que é habitual – uma zona com ruas cortadas, onde quem apenas quer chegar ao outro lado tem de dar uma volta a outra avenida grande, e quem vai trabalhar na Trump Tower é identificado e passa por detectores de metais.

Proteger o Presidente eleito dos Estados Unidos não é nenhuma novidade, e a cidade onde a ONU tem a sua sede já recebeu mais líderes do que é possível contar, incluindo o Papa Francisco, em Setembro do ano passado. O problema dos Serviços Secretos é outro: Donald Trump não vai ficar quatro ou cinco dias em Nova Iorque, nem escolheu a sua mansão na Florida como segunda residência. Escolheu o centro de Manhattan, que é ela própria o centro de Nova Iorque, que é ela própria, para muitos, o centro do mundo.

E depois há a família. Há muitos anos que nenhuma família presidencial tinha 18 pessoas para proteger – Melania e o filho Barron, de dez anos, os quatro filhos adultos de Donald Trump, três deles casados e com um total de oito filhos. Sim, parecem ser 15, mas há que contar com o marido de Ivanka Trump e com as mulheres de Eric Trump e Donald Trump Jr.

Junte-se a isto a Casa Branca e todos os outros sítios por onde o Presidente eleito vai passar nos próximos quatro anos – ou oito, porque os Serviços Secretos fazem sempre um plano para dois mandatos –, e o que parece normal numa Administração norte-americana passa a ser extraordinário, principalmente por causa da vontade do Presidente eleito em visitar Manhattan todos os fins-de-semana e da sua mulher em ficar por lá todos os dias pelo menos até Junho. Depois disso, logo se vê.

A somar às contas, um batalhão de 250 polícias e agentes dos Serviços Secretos estão prestes a mudar-se para a Trump Tower, e o jornal New York Post noticiou que o destino preferido é um par de andares, uns 40 pisos abaixo do apartamento de Donald Trump – pelas contas do jornal, o Governo federal vai pagar três milhões de dólares por ano para passar a viver na segunda casa do próximo Presidente. Que os Serviços Secretos tenham de arrendar espaços para proteger os seus Presidentes com o dinheiro dos contribuintes não é nenhuma novidade, mas neste caso há uma diferença – o espaço que vai ser reservado é, ao mesmo tempo, propriedade do Presidente.

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