Porto de Tradição prepara apoio a comércio com história

Grupo de trabalho identificou, numa primeira fase, 81 estabelecimentos comerciais e entidades sem fins lucrativos passíveis de virem a ser classificados.

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O bar Bonaparte é um dos exemplos de ícones da cidade Fernando Veludo/nfactos

Com o Natal a instalar-se no Porto, aumentam as filas nas mercearias como A Pérola do Bolhão, a Casa Natal, a Feira do Bacalhau ou A Favorita do Bolhão. Procuram-se presentes e espaços como a Machado Joalheiros, a Chapelaria Ideal, a Arcádia ou a Casa Madureira continuam a chamar clientes, tal qual como fazem há décadas. Estas são apenas algumas das lojas tradicionais do Porto que poderão vir a ser classificadas no âmbito do programa Porto de Tradição, que está a ser desenhado por várias entidades sob a direcção do pelouro do Comércio e Turismo da Câmara do Porto. O vereador responsável pelo pelouro, Manuel Aranha, diz que espera ter o trabalho concluído no primeiro trimestre do próximo ano.

O grupo de trabalho Porto de Tradição, que deverá criar os critérios para a classificação de estabelecimentos comerciais e entidades sem fins lucrativos, além de definir o tipo de apoio e protecção a conceder a esses espaços, está a trabalhar desde Julho deste ano. Nesta primeira fase, o grupo já identificou um conjunto de 81 locais passíveis de serem classificados, mas Manuel Aranha garante que “não há uma listagem oficial” e que esta parte do processo “não está fechada”.

Nesses 81 espaços, além dos estabelecimentos já referidos, há restaurantes e cafés, mercearias e bancos, livrarias e papelarias, sapatarias e alfaiates, marmoristas, lojas de brinquedos, de artigos religiosos, de atoalhados e miudezas, uma barbearia, farmácias, oficinas, associações, uma espingardaria, casas de ferragens e drogarias. Há casas com mais de 150 anos (como a Ourivesaria Coutinho, fundada em 1859) e outras que, tendo sido fundadas apenas em 1981, como a livraria alfarrabista Chaminé da Mota, se tornaram rapidamente ícones da cidade. Algumas – como o Café Majestic ou a Livraria Lello – são famosas entre moradores e turistas, outras são desconhecidas de muita gente, como a Casa Soleiro, na Rua Chã, que fornece o mais variado material relacionado com calçado, ou a Fábrica das Velas, na Rua da Assunção.

A necessidade de preservar estas lojas históricas e de referência tornou-se mais premente com a designada "Lei do Arrendamento Urbano", que deixou muitos espaços emblemáticos da cidade com receio de não conseguir responder aos aumentos pretendidos pelos proprietários ou sem capacidade para responder a um eventual despejo, perante o apetite de outros negócios ligados ao turismo, que levaram já ao encerramento de várias lojas antigas no centro de cidades como Lisboa e Porto. Cafés emblemáticos do Porto como o Guarany e o Ceuta já alertaram para a possibilidade de terem que fechar as portas e ambos estão agora na lista inicial dos espaços que podem ser classificados no Porto. Foi no âmbito deste risco para vários negócios emblemáticos que Lisboa avançou com o programa Lojas com História, que identificou já 63 lojas e cujo regulamento está pronto, mas ainda não foi votado, depois de ter sido retirado da agenda da reunião camarária da semana passada. No Porto, o processo está mais atrasado, mas, em compensação, o que já foi feito na capital serve como base ao que se desenrola a Norte, o que permite acelerar um pouco o trabalho.

O grupo Porto de Tradição, aliás, recomenda mesmo que se siga o exemplo de Lisboa e também da cidade espanhola de Barcelona, salvaguardando a inserção de ajustes considerados necessários. Assim, tal como em Lisboa, a classificação deverá valorizar aspectos como a actividade económica (como a existência de oficinas próprias), o património material (em termos de espólio e arquitectura) e imaterial (o papel social ou a importância para a história e identidade da cidade). E está também a pensar-se, à semelhança de Barcelona, propor um sistema de classificação dos diferentes espaços relacionados com as intervenções que estes possam sofrer no futuro, ficando alguns obrigados à conservação integral, outros parcial e beneficiando outros apenas de protecção e apoio.

Por definir, explica Manuel Aranha, está ainda as implicações reais da classificação para os espaços seleccionados, ou seja, o tipo de apoio que poderão receber. Em Lisboa, a proposta em cima da mesa prevê a existência de um fundo municipal para as Lojas com História, com o valor anual de 250 mil euros. Este montante servirá para apoiar financeiramente intervenções nas lojas classificadas, até ao limite de 25 mil euros por loja (o equivalente a 80% das despesas elegíveis, podendo, excepcionalmente, corresponder a 100% dessas despesas). No Porto não há certezas. “Ainda não está fechado se o apoio será dado através de um fundo ou, por exemplo, de benefícios fiscais. Uma coisa é certa, as lojas que vão ser distinguidas com este programa têm que ter viabilidade económica, capacidade financeira para se manterem”, explica o vereador.

Certo também é que, à semelhança de Lisboa, após a escolha do primeiro grupo de lojas a ser classificadas no âmbito do Porto de Tradição, outras se poderão candidatar à mesma categoria. Um processo que implicará sempre uma avaliação, para verificar se os candidatos cumprem os critérios que serão, entretanto, definidos, e que poderão passar, à semelhança de Lisboa, pela longevidade da loja e o seu significado para a história comercial da cidade, pela especificidade do produto que fornece, pelo projecto de espacialidade, a decoração ou o mobiliário.

O trabalho em curso no Porto conta com elementos de diferentes serviços da autarquia – além do pelouro do Comércio e Turismo há também elementos do Urbanismo, da Habitação e Acção Social e um membro da divisão de Museus e Património Cultural -, mas também de pessoas externas à câmara. A Universidade do Porto integra o grupo através do historiador António Malheiro, do geógrafo Álvaro Domingues e da investigadora da Faculdade de Belas-Artes, Marta Nestor, e o grupo conta ainda com representantes da Associação dos Comerciantes do Porto e da Associação Nacional de Proprietários.

A classificação destes espaços e o apoio municipal que lhes pode ser dado não resolve, contudo, os problemas relacionados com a Lei do Arrendamento Urbano que, lembra Manuel Aranha, “é uma questão que está a ser discutida ao nível do Governo”.

Até agora, a nível central, a valorização das lojas históricas foi definida, em Abril, numa resolução da Assembleia da República recomendando ao Governo que, em articulação com as autarquias, “crie uma identificação distintiva” para as “lojas históricas” e crie “um programa de apoio” a estes espaços, incentivando a sua divulgação e promoção. No final de Maio, um despacho do secretário de Estado adjunto e do Comércio, Paulo Santos Ferreira, constituiu a Comissão para a Revitalização do Comércio Local de Proximidade, que deverá criar e propor medidas de promoção e manutenção dos “estabelecimentos locais de proximidade”. 

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