“É preciso que a política saia da CGD”, diz Álvaro Santos Pereira

Com a reduzida margem orçamental do país, o poder do “banco mau” será limitado, diz o ex-ministro da Economia.

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A OCDE defende um “'banco mau' para os activos mais problemáticos dos bancos”, diz o ex-ministro Enric Vives-Rubio

O antigo ministro da Economia Álvaro Santos Pereira defendeu nesta segunda-feira a necessidade de que "a política saia da Caixa Geral de Depósitos (CGD)", considerando que a cumplicidade entre o poder político e os grupos económicos causou muitos dos problemas do banco público.

"Mais do que esta circunstância, do que se está a passar no curto prazo, o mais importante para mim é que a política saia da Caixa. A Caixa está nas dificuldades em que está actualmente graças aos negócios menos claros que foram feitos nos últimos anos, nos anos antes da crise", defendeu Álvaro Santos Pereira, em entrevista à agência Lusa, a propósito da divulgação das previsões económicas da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).

No relatório divulgado nesta segunda-feira, que foi preparado pelo departamento de Estudos Económicos, liderado por Álvaro Santos Pereira, a OCDE mostra-se preocupada com a fragilidade da banca portuguesa, que continua altamente endividada, considerando que uma resolução mais rápida dos crédito malparado e uma "recapitalização mais forte dos bancos poderia restaurar a confiança no sector".

Questionado sobre se o adiar da recapitalização da CGD para o próximo ano pode prejudicar o banco e o sector, ex-ministro da Economia (entre 2011 e 2013, no Governo PSD/CDS-PP liderado por Pedro Passos Coelho) disse que ainda é cedo para saber os impactos e defendeu que "o mais importante é despolitizar a Caixa".

"É preciso tirar os políticos da Caixa. É preciso fazer com que a própria administração da Caixa seja cada vez mais da própria Caixa, dos funcionários da Caixa. Acho que houve uma atenção nos últimos tempos para que isso aconteça, mas é importante, nos próximos tempos, continuar a tirar a política da Caixa", afirmou Álvaro Santos Pereira, numa entrevista por telefone a partir de Paris, onde a OCDE está sediada.

Para o antigo ministro, "grande parte dos problemas dos bancos, não só na CGD, aconteceu graças às 'relações de amizade' que existiam entre o poder político e vários grupos económicos em Portugal, muitos deles dos setores protegidos". "E foi essa relação de cumplicidade que levou a um endividamento demasiado elevado do setor privado, a um endividamento do setor público e também a fenómenos de corrupção no nosso país. É importante que isso não aconteça mais no futuro", defendeu.

“Banco mau” com poder limitado

Para Santos Pereira, a reduzida margem orçamental de Portugal limita o poder que a criação do “banco mau” poderá ter na redução do endividamento privado do país.

"Defendemos a criação do 'banco mau' para os activos mais problemáticos dos bancos, mas também de mecanismos de reestruturação da dívida privada. Esses dois instrumentos são importantes para continuar a desendividar o país, principalmente as empresas privadas", afirmou Álvaro Santos Pereira.

O ex-ministro da Economia lembrou que Portugal não teve a margem orçamental suficiente para, no estalar da crise em 2008, criar um "banco mau", como fizeram Espanha e a Irlanda. "O grande problema que Portugal tem, assim com a Itália, que é o país com que nos devemos comparar neste âmbito, é que devido a erros políticos, de política económica, que nos fizeram aumentar o endividamento de uma forma muitíssimo elevada, quando surgiu a crise nós já não tínhamos a margem que os espanhóis e os irlandeses tinham. E, portanto, nós não podíamos na altura criar um 'banco mau' porque não havia margem", recordou. "Agora exige um pouco de margem, não muita, mas existe alguma", afirmou.

No entanto, "o problema é que a margem não é muito elevada, e, por isso mesmo, torna-se difícil ter um 'banco mau' que tenha o poder necessário e a dimensão necessária para fazer com que o desendividamento das empresas e dos bancos se faça de uma forma rápida", advertiu o economista. Para o diretor do departamento de Estudos Económicos da OCDE, a questão neste momento é perceber "quão eficaz pode ser este banco ou quantos ativos pode absorver numa altura em que a dívida pública é já elevada e quando os bancos estão em dificuldade". "Esse é o grande dilema que os decisores políticos têm de enfrentar neste momento", considerou.

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