O dia seguinte em Cuba marcado pelo silêncio e dúvidas acerca de Trump

Incerteza, um silêncio pesado e dúvidas acerca do que fará Trump nos tempos que se seguem. Parece ser esse o ambiente dominante em Cuba nas horas seguintes à comunicação da morte de Fidel Castro.

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Turistas no Malecón vazio, após o anúncio da morte de Fidel Reuters/CARLOS BARRIA
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Ruas desertas e sem música após o anúncio da morte de Fidel Reuters/CARLOS BARRIA
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Ruas desertas e sem música após o anúncio da morte de Fidel Reuters/CARLOS BARRIA
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Bandeira cubana a meia-haste Reuters/ENRIQUE DE LA OSA
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Um cartaz de Fidel em Havana Reuters/ENRIQUE DE LA OSA

Depois da comoção da comunicação da morte de Fidel Castro, os cubanos preparam-se para uma semana de homenagens, cujo ponto culminante será evidentemente o funeral, a 4 de Dezembro, domingo, em Santiago de Cuba. 

“É um grande líder, deveriam ter sido decretados 30 dias de luto”, afirmou Andy Lores, do bairro popular de Cerro, no sul de Havana, citado pela agência AFP. O dia de domingo anuncia-se calmo na ilha, já que não existe nenhum evento oficial planeado. A primeira cerimónia foi agendada apenas para esta segunda-feira na icónica Praça da Revolução, epicentro do executivo cubano.

Em Cuba, as horas seguintes à morte de Fidel Castro têm sido silenciosas. Um denso silêncio cobre especialmente Havana, geralmente agitada pelo tumulto da música omnipresente ou pelos motores envelhecidos do parque automóvel.

Pequenos grupos formaram-se discretamente nas ruas, especialmente junto das universidades. Espectáculos foram anulados, jogos de basebol suspensos e a venda de álcool interdita, enquanto os restaurantes têm reduzido o horário de funcionamento. A presença da polícia é visível mas discreta. Os meios de comunicação programaram documentários e debates que enaltecem Fidel.

É comum ver gente nas ruas de olhos avermelhados de comoção. Dos 11,2 milhões de habitantes da ilha muitos não escondem a tristeza pela perda de alguém que foi capaz de durante quase meio século se opo à superpotência americana. É verdade que foi implacável no silenciamento da oposição, e que o fervor revolucionário tende a desaparecer, mas o ex-Presidente que deixou o poder há cerca de 10 anos conservou o respeito e admiração geral na ilha.

“Desejava que tivesse vivido mais 30 anos, mas ninguém pode fintar o destino”, disse à AFP Guillermo Suarez, um pedreiro de Havana de 52 anos. Portador da notícia da morte na noite de sexta-feira, o presidente Raúl Castro não revelou a causa da morte, mas disse que o corpo do irmão mais velho seria cremado sábado de manhã, mesmo se depois nenhuma fonte oficial confirmou a cremação. Fidel cedeu o poder ao irmão Raúl em 2006, depois de uma hemorragia intestinal. Entre Fevereiro de 2014 e Abril de 2015 despareceu dos ecrãs da TV, o que levantou imensos rumores sob o seu estado de saúde. Mas desde há um ano e meio, embora os seus movimentos fossem limitados, tinha começado a receber figuras e dignatários estrangeiros.

Há dez anos Raúl Castro iniciou um lento processo de reformas económicas, numa lógica de maior abertura à iniciativa privada e ao investimento estrangeiro. “O socialismo tem sobrevivido à longa doença de Fidel Castro e certamente vai continuar depois da sua morte”, avalia Jorge Duany, director do Instituto de Pesquisa cubana na Universidade Internacional da Flórida. No entanto, o especialista acredita que a morte de Fidel “acelerará provavelmente as reformas económicas”, embora seja preciso esperar pela retirada da presidência de Raúl Castro, anunciada para 2018, para avaliar mais claramente se haverá mudanças substanciais nas lideranças do Estado.  

Enquanto o mundo se divide entre considerar Fidel um ditador ou uma marcante figura histórica, em Cuba a sua morte aumentou as preocupações entre os cubanos acerca do que fará agora o Presidente eleito dos EUA, Donald Trump. Depois da abertura de Barack Obama para acabar com meio século de hostilidades, discute-se agora se Trump fechará portas ao comércio

No final da campanha eleitoral, Trump prometeu que se fosse eleito fecharia a recém-aberta embaixada nos EUA em Havana. Mas, antes, já havia afirmado que pensava restaurar os laços diplomáticos com Cuba. Ninguém sabe o que vai acontecer, principalmente depois de ontem Trump ter dito numa declaração que Fidel havia sido um “ditador brutal”, numa diferença de tom assinalável em relação a Obama, que disse que seria a história a julgar o legado de Fidel, estendendo a mão aos cubanos.

“Com o desaparecimento de El Comandante estou um pouco receosa com o que pode acontecer por causa da forma de pensar e agir de Trump”, disse Yaneisi Lara, uma vendedora de flores das ruas de Havana, à agência Reuters. “Ele pode recuar e bloquear tudo o que Obama vinha fazendo de positivo, depois de ter conseguido aproximar os EUA de Cuba.” É verdade que Obama não convenceu o Congresso americano a levantar o embargo económico dos EUA a Cuba, mas pessoalmente opôs-se às sanções e deu passos concretos no sentido de permitir mais contacto e comércio com Cuba.

O primeiro voo comercial dos EUA para Havana, em meio século, deve aterrar, aliás, na ilha esta segunda-feira. Agora está tudo nas mãos de Trump, que poderá rever as medidas tomadas por Obama. Sem entrar em detalhes, na sua declaração de sábado, Trump disse que o seu governo “fará tudo o que puder” para ajudar a aumentar a liberdade e a prosperidade do povo cubano.

“Trump é o oposto de Obama”, diz um taxista, Pablo Fernandez Martinez, de 39 anos, que teme que o “movimento turístico poderá diminuir afectando a economia.” Pedro Machado, de 68 anos, um engenheiro aposentado, que agora aluga quartos perto de Havana, também não está optimista. “As políticas de Trump são muito agressivas. Temos que ver o que ele vai fazer. Mas a sua eleição parece trazer más notícias para a América Latina e para Cuba em particular.”

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