Ai aguenta, aguenta – um ano de Governo Costa

Que Costa chegasse até aqui com sondagens a colocarem-no à beira da maioria absoluta nunca imaginei — e tiro-lhe o chapéu.

Foi Fernando Ulrich quem popularizou a frase “Ai aguenta, aguenta”, mas foi António Costa quem a pôs em prática, com a preciosa ajuda de Pedro Passos Coelho e de — há que admiti-lo — pessoas como eu, que jamais acreditaram que o acordo que Costa assinou com as esquerdas numas salas esconsas do Parlamento viesse a ter qualquer tipo de solidez. Ele fez do “Ai aguenta, aguenta” o lema do seu Governo: aguentou, e, por isso, ao fim de um ano de governo, não precisa sequer de celebrar o que fez, porque lhe basta celebrar que está vivo. Que António Costa chegasse até aqui nunca duvidei, porque sempre lhe reconheci abundantes qualidades políticas e nunca me pareceu que o Governo durasse apenas seis meses. Que António Costa chegasse até aqui tão fresco e viçoso, e com sondagens a colocarem-no à beira da maioria absoluta, isso, de facto, nunca imaginei — e tiro-lhe o chapéu.

Claro que, visto a um ano de distância, é necessário reconhecer que a malta da direita lhe facilitou a vida. Como poucos acreditavam que esta solução governativa funcionasse, o seu simples funcionamento é uma tremenda vitória. Costa chamou “virar a página da austeridade” à transferência de impostos directos para impostos indirectos e, espantosamente, Bloco, PCP e metade do país engoliram a patranha. Mas, consciente da fragilidade da solução política, nunca saiu do modo eleitoral. Há 15 meses que está em campanha. Contem o número de entrevistas que António Costa deu ao longo de 2016 e comparem-no com outros primeiros-ministros no seu primeiro ano de mandato. Juntem--lhe Pedro Nuno Santos. Foram dezenas e dezenas de entrevistas, com o Governo em propaganda permanente.

É uma situação inédita, a deste Governo tântrico, que tenta atingir o máximo prazer com o mínimo movimento. Governar é repor, e as reposições são uma tragédia para o país. Mas, por enquanto, Portugal está na situação do suicida que se atirou do telhado e ainda não bateu no chão. A vista é simpática, há uma aragem fresca, e ele pode dizer, como no filme de Kassovitz, “até aqui tudo bem”. É esse o actual estado do país, com os portugueses entretidos a apreciar a paisagem e a bonomia do primeiro-ministro, enquanto aceleram em direcção a um novo resgate. Convém que ninguém se equivoque. Com estas políticas, esta incapacidade de reformar o Estado e de diminuir o seu peso na economia, esta falta de visão para um país enjaulado numa dívida de 133% do PIB, o embate contra o chão é uma certeza. Ele vai acontecer. Só não se sabe quando.

E é em cima desta certeza incerta, que advém de não se saber quando, que o jogador António Costa está a colocar todas as suas fichas. Se por acaso o Governo cair, e num truque de magia Costa conseguir atribuir a culpa a todos os outros menos a ele, ganhando uma maioria absoluta para o PS após novas eleições, com a qual lideraria finalmente um governo reformista, aí sim, António Costa mereceria ser considerado o génio político português do século XXI. Num golpe de magia, teria utilizado a sua esquerda para trepar para o governo, deixava-a cair quando dela já não precisava, e a partir daí conseguia reinar sozinho e devolver o país à prosperidade que nunca teve. Era bonito, não era? Era. Infelizmente, eu não acredito num Pai Natal puxado por vacas voadoras. Que tantos portugueses acreditem só demonstra que no essencial ainda somos o mesmo país que passou duzentos anos à espera de D. Sebastião. Boa sorte para todos. Bem precisamos.

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