DBRS não vê o Diabo mas também não vê anjos

Agência que tem na mão a estabilidade financeira portuguesa não vê, nos desenvolvimentos económicos das últimas semanas, motivos para pensar em mudar o rating.

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António Costa tem salientado a tendência de aceleração da economia Daniel Rocha

Nem muito entusiasmados com o crescimento da economia no terceiro trimestre, nem excessivamente preocupados com a pressão adicional a que a dívida pública portuguesa tem vindo a ser recentemente sujeita nos mercados. É assim que os analistas da agência de rating que neste momento garante a capacidade de Portugal se continuar a financiar reagem às notícias que, dentro do país, têm sido motivo de reacções muito optimistas por parte do Governo e muito pessimistas por parte da oposição.

Ao atribuir a Portugal um rating que fica um degrau acima do “nível lixo”, a agência de notação financeira de origem canadiana tornou-se nos dois anos e meio na última linha do país contra o risco de ficar sem a ajuda do Banco Central Europeu. Sem esse rating, o BCE deixaria de comprar dívida pública portuguesa e de a aceitar como garantia para emprestar dinheiro aos bancos, o que conduziria muito rapidamente à perda de acesso aos mercados. Os responsáveis da DBRS acabam assim na prática por desempenhar o papel de árbitros na análise da situação económica do país.

Será o crescimento de 0,8% do PIB durante o terceiro trimestre deste ano a confirmação de que a economia está numa tendência imparável de crescimento, como defende o Governo? A não concretização da suspensão dos fundos europeus decidida pela Comissão Europeia significa que o caminho para a resolução dos problemas orçamentais do país está encontrado? A subida das taxas de juro da dívida portuguesa registada desde a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos é a prova que os investidores internacionais continuam a não acreditar no país?

Se Governo e oposição parecem não ter dúvidas a responder a estas perguntas sempre em sentidos inversos, na DBRS escolhe-se a prudência no momento de retirar conclusões definitivas sobre os últimos desenvolvimentos registados em Portugal, logo a seguir à agência ter optado, no final de Outubro, por manter o rating português inalterado em BBB (baixo).

Nichola James, analista da DBRS responsável pela elaboração dos relatórios sobre Portugal, diz, em declarações ao PÚBLICO, que não são os últimos dados de crescimento económico, as decisões da Comissão Europeia ou a subida recente das taxas de juro da dívida que vão fazer a agência mudar os seus planos para o rating português nos próximos meses. “A próxima data para alteração do rating está marcada para Abril e não temos neste momento qualquer intenção de mudar esse calendário”, afirma.

Um dos dados divulgados apenas depois da DBRS ter decidido manter o rating foi o crescimento do PIB de 0,8% registado durante o terceiro trimestre do ano (colocando o crescimento homólogo em 1,6%). E Nichola James não esconde a sua surpresa com a aceleração forte da economia. “Os números revelados fazem com que a previsão de 1,2% do Governo seja exequível. Regista-se um aumento das exportações para os outros países da UE, o que em conjunto com o aumento das receitas com turismo, constitui um bom sinal”, afirma, classificando os números como “sinais encorajantes”.

No entanto, avisa logo de seguida que apenas um trimestre de boas notícias na frente económica não chega para tirar conclusões quanto a um arranque definitivo da economia. “Temos de ver a composição do crescimento do PIB em detalhe e ver o que é que vai acontecer no quarto trimestre”, assinala.

Para além da economia, a DBRS dá atenção particular ao que acontece nas finanças públicas. A analista da agência canadiana diz que um crescimento mais forte da economia pode ajudar a que se atinjam os objectivos, mas não mostra ter ficado impressionada com o facto de Portugal ter conseguido obter em Bruxelas, não só a anulação de qualquer suspensão de fundos europeus por conta de uma avaliação positiva das medidas tomadas em 2016, mas também a aprovação da proposta de OE para 2017.

“A expectativa de alguma consolidação orçamental estrutural abriu o caminho para o não congelamento dos fundos europeus e a passagem do Orçamento. Mas não creio que tenha mudado muita coisa em relação ao que dissemos em Outubro. Pensamos que a opinião de Bruxelas está em linha com a nossa decisão para o rating português”, afirma Nichola James. Quando divulgou a sua decisão para o rating, a DBRS previu que o défice português este ano ficará num valor situado entre 2,5% e 3%. Este intervalo bate certo com a previsão da Comissão que é de 2,7% e fica ligeiramente acima dos 2,4% que são prometidos pelo Governo.

Ainda assim, nas análises que tem publicado sobre Portugal, a DBRS tem sempre deixado claro que um bom entendimento entre as autoridades europeias e portuguesas sobre as questões orçamentais é uma das condições essenciais para a manutenção de um rating acima do “nível lixo”. E esse bom entendimento saiu reforçado das últimas decisões de Bruxelas.

Mais preocupante para Portugal é a subida nas últimas semanas das taxas de juro da dívida. Em Outubro, Nichola James chegou a afirmar ao Observador quenão estaria preocupada desde que as taxas de juro não superassem os 3,5% ou 4%. E a verdade é que, desde que produziu essas afirmações, as taxas portuguesas aproximaram-se desse limite, chegando a registar um valor superior a 3,8%, afectadas pelo impacto produzido pela eleição de Donald Trump nos juros da dívida dos países europeus vistos como mais frágeis pelos mercados.

Nichola James, no entanto, ao olhar para os mercados, prefere fazer agora uma análise que não se centra exclusivamente no valor da taxa de juro. “Temos realmente assistido a um aumento das taxas de juro, mas há outros factores que minimizam esse impacto negativo, nomeadamente o facto de a maturidade da dívida portuguesa ter vindo a ser alargada, estando já acima dos oito anos, o que é um valor muito generoso”, explica.  

A analista contudo não esconde a sua apreensão quanto aos efeitos sobre as finanças públicas portuguesas num cenário em que a pressão dos mercados sobre a dívida portuguesa se acentuaria. “O efeito negativo depende da forma como se poderá prolongar esta subida das yields”, defende.

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