Morreu David Hamilton, o polémico fotógrafo das "ninfas"

Fotógrafo e realizador britânico fora recentemente acusado de violar jovens adolescentes que tinham posado para ele. A polícia diz que se suicidou em Paris.

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David Hamilton em 1990 Pierre GUILLAUD/ AFP
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Flavie Flament, autora de La Consolation, fotografada em 2014 BERTRAND GUAY/ AFP
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David Hamilton em 1983, em Paris Pierre VERDY/ AFP
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Cena do filme Bilitis DR
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A polícia à porta do edifício onde Hamilton foi encontrado morto AFP/GEOFFROY VAN DER HASSELT
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O fotógrafo junto a uma das suas obras AFP/BERND WEISSBROD

Passadas poucas semanas sobre acusações públicas de violação de algumas das jovens adolescentes que fotografou, David Hamilton morreu sexta-feira à noite, em Paris, aos 83 anos. A polícia admite que tenha posto termo à vida, já que foi encontrado no seu apartamento, no bairro de Montparnasse, com um saco de plástico na cabeça. Os bombeiros foram chamados por um vizinho que estranhou ver a porta da casa entreaberta.

“Nenhum elemento aponta para outra situação que não a de suicídio”, disse à AFP uma fonte da polícia, que acrescentou terem sido também encontrados medicamentos na casa-de-banho e sinais de consumo de álcool. O caso vai agora ser objecto de inquérito.

Algo esquecido nas últimas décadas, este fotógrafo, e também realizador, que nos anos 1980 e 1990 chegou a ser considerado um dos nomes mais marcantes da arte fotográfica e da moda voltou recentemente a ser notícia por via de uma sucessão de acusações de violação por parte de alguns dos seus modelos.

Em meados de Outubro, Flavie Flament, uma dessas ex-modelos da objectiva de Hamilton, agora com 42 anos, publicou uma autobiografia, La Consolation (edição JC Lattès), em que acusa, sem citar o nome, “um fotógrafo muito conhecido” de a ter violado quando tinha apenas 13 anos e posava para ele numa localidade no sul de França.

Alguns dias mais tarde, três outras mulheres, mantendo o anonimato, confirmaram à imprensa francesa terem sido também violadas por um fotógrafo. E Flavie Flament acabou por identificar o alegado violador, numa entrevista ao semanário L’Obs: “O homem que me violou quando eu tinha 13 anos é David Hamilton.”

A reacção do fotógrafo inglês radicado em França desde os 20 anos não se fez esperar: “Estou inocente, e é como tal que devo ser considerado”, disse em comunicado enviado à AFP, admitindo ir processar as acusadoras. “Nunca fiz nada de errado. Claramente, a instigadora deste linchamento nos media está à procura dos seus 15 minutos de fama difamando-me no seu livro”, acrescentou.

Flavie Flament, ex-apresentadora da TF1, reagiu agora à notícia da morte de Hamilton através da sua editora, Karina Hocine: “Naturalmente ficámos chocadas, mas simultaneamente há um sentimento de grande revolta por não ter havido o tempo necessário para que a justiça fizesse o seu trabalho”, disse à AFP.

Estilo hamiltoniano

David Hamilton nasceu em Londres, em 1933. Estudou Arquitectura, mas, aos 20 anos, decidiu radicar-se em França, onde começou por trabalhar como designer gráfico para a revista da cadeia Printemps e para a Elle.

Autodidacta, iniciou a sua carreira de fotógrafo já depois dos 30 anos, trabalhando para revistas de moda – e vendo o seu trabalho chegar a publicações como a Vogue ou a Photo.

O facto de eleger como “objecto" da sua câmara jovens adolescentes, ninfas virginais que fotografava em poses sensuais e eróticas, sempre com um filtro brumoso e em décors que deviam algo ao imaginário hippie, entre camas e prados floridos, elevaram-no a ícone da fotografia mundial. Passou inclusivamente a falar-se de um “estilo hamiltoniano” para classificar esta estética fotográfica – que Hamilton viria também a explorar no cinema, realizando meia dúzia de filmes entre 1975 e 1983, o mais citado dos quais é Bilitis (1977).

Simultaneamente, houve quem se indignasse e o acusasse de pornografia – e países como a África do Sul, por exemplo, censuraram os seus álbuns. As suas fotografias foram muitas vezes colocadas no centro do debate sobre as fronteiras entre a arte e a pornografia. David Hamilton defendia-se dizendo que lhe interessava “a obsessão da pureza”, e afirmando-se herdeiro dos impressionistas franceses além de devedor de Vladimir Nabokov, o celebrado autor de Lolita.  

Com toda esta polémica, e com o decréscimo da atenção à sua arte, a partir do ano 2000, Hamilton passou a fotografar flores e naturezas mortas. E quando, na Primavera do ano passado, fez uma exposição em Paris, no Hotel Scribe, lamentou que em França – país que tinha escolhido para “fugir ao puritanismo” da sua Inglaterra natal – fotografar “uma jovem adolescente” se tenha tornado um “tabu”.

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