Portugal no divã

Não há como não dizê-lo: na área da saúde mental, Portugal está de rastos. Vai ser preciso que muita coisa mude para conseguir tirá-lo do divã.

O diagnóstico é desolador: entre 2008 e 2015, no intervalo de tempo em que a crise entrou a fundo nas nossas vidas, o número de portugueses que padecem de alguma forma de doença mental disparou para níveis insustentáveis. A taxa de prevalência de casos de depressão e ansiedade passou de uns preocupantes 20% para uns assustadores 31% da população e todos sem excepção foram afectados, em particular os homens e em especial os mais jovens.

Os números constam de um estudo coordenado pelo psiquiatra José Caldas de Almeida e são os primeiros a estabelecer uma correlação directa entre os impactos da crise e os seus efeitos na saúde mental dos portugueses, que sabíamos existir embora ignorando a sua dimensão. Não é de agora que Portugal tem das mais altas taxas de prevalência de doença mental na Europa nem que o consumo de antidepressivos — e de ansiolíticos, álcool ou antipsicóticos — está bem acima da maioria dos países europeus. Mas se a isto somarmos anos de destruição de emprego e de rendimentos temos o caldo perfeito para a situação a que se chegou.

E o que se fez nesta área nos anos da crise? Cortou-se, adiou-se, desinvestiu-se. Criámos um primeiro Plano Nacional de Saúde Mental mas não lhe demos dinheiro suficiente para conseguir implementá-lo em todas as suas dimensões. Continuámos a internar doentes em vez de os acompanharmos em casa, criando respostas efectivas e muito menos onerosas de reabilitação dentro da comunidade. E continuámos a prescrever medicamentos como se não houvesse amanhã, sem conseguirmos perceber que o problema da saúde mental não é uma questão de farmácia.

Houve avanços nalgumas áreas, como a criação de unidades de psiquiatria nos hospitais gerais e algumas (ténues) experiências com equipas de proximidade. Mas os ganhos, como agora se prova, não se comparam aos danos que a crise provocou numa fatia substancial da população.

O relatório que hoje trazemos nestas páginas é importante pelo que nos diz, mas também pelo que não diz. É que há toda uma geração de crianças e jovens que se segue aos que hoje têm 30 anos em risco de também ficarem para trás. Vivem em famílias que não se entendem e estudam em escolas onde não se revêem, para conseguir empregos que não existem num contexto de crise que não acabou. Não há como não dizê-lo: na área da saúde mental, Portugal está de rastos. Vai ser preciso que muita coisa mude para conseguir tirá-lo do divã.

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