Costa bloqueou julgamento de um crime nas secretas, dizem juízes

Primeiro-ministro recusou levantar segredo de algumas matérias e tribunal responsabiliza-o por não ter conseguido, num caso, aferir sobre inocência ou culpa de Silva Carvalho e antigo subordinado seu.

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Fabio Augusto

Os juízes que condenaram na passada semana o ex-espião Jorge Silva Carvalho a quatro anos e meio de pena suspensa por ter violado o segredo de Estado, entre outros crimes, suspeitam que podem ter sido cometidos não um mas dois delitos deste tipo no caso das secretas. Porém, o facto de o primeiro-ministro, António Costa, se ter recusado a desclassificar algumas das matérias em causa, para o julgamento se efectuar da forma mais esclarecida possível, impediram-nos de chegar a conclusões definitivas.

Em causa está o facto de Silva Carvalho ter passado informações confidenciais não só ao grupo Ongoing, como ficou provado e levou à sua condenação por violação do segredo de Estado, mas também a uma jornalista, cuja identidade não surge no processo. Neste caso, as informações versavam sobre quatro aviões líbios que haviam estado em manutenção em Alverca em 2011, numa altura em que o Conselho de Segurança da ONU já tinha aprovado sanções contra o governo de Muammar Khadafi. 

Os juízes consideraram provado que, depois de ter pedido estes dados a um antigo subordinado seu quando já se encontrava a trabalhar para a Ongoing, Silva Carvalho “informou uma jornalista do exacto teor da informação que lhe havia sido transmitida”, o mesmo tendo feito em relação à morada do embaixador daquele país em Portugal, o posicionamento do responsável pelas finanças da Embaixada face ao conflito na Líbia e o nome e número de telefone de quem deveria ser contactado naquela representação diplomática.

António Costa desclassificou várias matérias

Para que o ex-espião e dois subordinados seus se pudessem defender durante o julgamento sem serem acusados de o fazerem à custa da violação do segredo de Estado, e incorrendo assim em novos crimes, foi pedido ao primeiro-ministro o levantamento do sigilo em relação a determinados assuntos. Havia que ponderar por um lado o prejuízo que a revelação de certas matérias classificadas podia causar ao Estado e, por outro lado, o prejuízo que a sua ocultação podia causar à defesa dos arguidos. E foram várias as matérias que António Costa desclassificou.

Mas em relação aos aviões líbios o primeiro-ministro começou por informar “não terem sido encontradas, em 2011, referências ao embaixador líbio e a aviões líbios, quer em documentos produzidos, quer em relatórios de cariz operacional”. Perante a insistência do tribunal, António Costa respondeu que nesta matéria não se justificava o levantamento do segredo de Estado. E foi desta forma que tanto Silva Carvalho como o seu subordinado se viram ilibados daquilo que poderia constituir mais uma segunda violação do segredo de Estado: tornou-se impossível aos juízes saber se existia uma operação em curso nas secretas em 2011 que justificasse a transmissão deste tipo de informações confidenciais para fora dos serviços.

Os juízes consideraram insuficientes as respostas de António Costa, e deixaram as suas dúvidas expressas no acórdão que produziram: “Quer as respostas das testemunhas inquiridas, evasivas e invocando o segredo de Estado, quer a resposta, inconclusiva, do primeiro-ministro, quer o contexto internacional em que os factos ocorreram e o teor do parecer do conselho de fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa [SIRP] relativo ao ano de 2011 (…) deixaram-nos uma dúvida razoável sobre a existência dessa operação”. Porém, não tendo alcançado uma certeza sobre o que realmente se terá passado, resolveram deitar mão do princípio da absolvição do réu em caso de dúvida perante a sua culpabildade ou inocência. Contactado pelo PÚBLICO, o chefe do Governo preferiu não reagir ao teor do acórdão, tendo alegado que não comenta decisões judiciais.

O secretário-geral do SIRP, Júlio Pereira, foi uma das testemunhas que se escusaram a explicar durante o julgamento a suposta operação líbia levada a cabo pelos serviços. As suas declarações em tribunal causaram visível transtorno a Silva Carvalho. No final, depois de ser condenado não só por um crime de violação do segredo de Estado como também por abuso de poder, devassa e acesso ilegítimo à facturação detalhada do telemóvel de outro jornalista, o antigo espião não se conteve: criticou o seu antigo superior hierárquico por não o ter protegido e acusou-o de ter tido “um comportamento reprovável” ao longo deste processo judicial. 

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