Uma Caixa negra, numa semana rica

O voto contra do PS na Assembleia, quando se propôs a obrigação de uma declaração de património na CGD, mostra um compromisso que tem perna curta.

Há boas notícias em Portugal, começando pela dita “sociedade civil”, que põe de pé projectos entusiasmantes, ou pela entrada de capital chinês no BCP, começando a resolver um problema bicudo. Mas também há a Caixa Geral de Depósitos, onde uma votação destapou um compromisso mal assumido pelo Governo com António Domingues. Definitivamente, a banca é o dossier mais difícil de gerir na aliança de esquerda que agora faz um ano.

Cristina Casalinho, 15 
Chamam-se Obrigações do Tesouro de Rendimento Variável. O nome difícil serve para designar uma emissão de dívida pública lançada pelas Finanças e pela Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP), mas destinada às famílias portuguesas. Sabíamos já que a ideia tinha sido um sucesso, abrindo até a oportunidade de uma nova emissão. Do que não nos tínhamos lembrado era que este sucesso permitiria ao Governo pagar antecipadamente dois mil milhões de euros do empréstimo do FMI, um dia depois de a dívida pública ter atingido 133,1% do PIB. Se para as Finanças foi a oportunidade certa, para futuro fica uma boa opção estratégica: substituir dívida externa pela dívida interna reduz a pressão sobre o Estado. E feita desta forma, a operação é também rentável para os portugueses. Os ingleses chamam a isto um win-win 

Carlos Fiolhais, 14
GPS já não é só uma ajuda para nos guiar até ao destino, passou a ser também um ponto de encontro. Ao caso, de cientistas portugueses. O projecto, comandado pelo cientista (e colunista do PÚBLICO) Carlos Fiolhais, está na categoria das melhores ideias do ano. Porque a ciência é, por excelência, a profissão que mais ganha na partilha de conhecimentos. E porque faz mais sentido ainda num país como Portugal, onde muita gente qualificada saiu do país para crescer e fazer melhor o seu trabalho. O elogio é extensível, claro, à Fundação Francisco Manuel dos Santos, que acolheu a ideia.

Guo Guangchang (presidente da Fosun) 13
Memorize o nome: Guo Guangchang é o presidente do grupo chinês Fosun, que já tinha comprado a Fidelidade e a Luz Saúde — e que esta semana viu aprovada pelo BCE, em tempo recorde, a sua proposta de compra de mais de 13% do BCP. A entrada de alguns grupos chineses em Portugal fez-se rapidamente, aproveitando a crise. E em larga medida fez-se em substituição da predominância angolana em Portugal. É por isso que o caso do BCP vai ser interessante de seguir: é que o Fosun tem como objectivo declarado ficar com a maioria do capital, mas para isso terá ainda de convencer Isabel dos Santos (que preside à Sonangol) a ceder-lhe essa posição.

Joe Berardo, 12
O comendador levou as negociações até ao limite, mas acabou por conseguir convencer o Ministério da Cultura a manter a sua exposição de arte contemporânea no CCB por mais seis anos. Do que sabemos desse acordo, já assinado, Berardo não conseguiu tudo o que queria — manter a colecção gratuita, sem ter de se preocupar com as receitas de bilhetes. Em teoria, isto quer dizer que o empresário não terá remédio senão assumir uma parte dos custos da exposição, o que faz sentido, não porque o seu interesse público esteja em causa, mas porque são conhecidas as dificuldades do Estado em preservar e apoiar o restante património cultural do país. Digo que faz sentido em teoria porque, nesta altura, os pormenores do acordo ainda não são conhecidos. E essa opacidade é que não é mesmo bom serviço público.

Matos Fernandes, 9
O ministro do Ambiente terá a convicção, como António Costa, de que passar a Carris para a Câmara de Lisboa é bom para o serviço público e melhor para os utilizadores. Pode até acreditar que Fernando Medina, o autarca de Lisboa, aproveite o negócio para propor passes gratuitos para os mais novos — e preços mais reduzidos para os mais velhos, quando sabemos que as contas da Carris não são um mar de rosas. O que faz menos sentido é que Matos Fernandes faça um desafio público ao Porto para que siga estes mesmos passos, quando sabe que os STCP poucas parecenças têm com a Carris — e que são geridos não por um, mas por um conjunto de municípios. E, já agora, vamos aos princípios: à beira das autárquicas, isto faz algum sentido? 

António Costa, 8
O primeiro-ministro passou as últimas semanas a atirar António Domingues para o Tribunal Constitucional, como se não tivesse sido o seu Governo a selar com o presidente que escolheu para a Caixa Geral de Depósitos um compromisso que o dispensava de uma declaração de rendimentos no próprio tribunal. Mas na quinta-feira, quando chegou a hora de votar uma proposta na Assembleia da República que obriga Domingues e os restantes administradores a fazê-lo, o PS votou... contra. É caso para dizer que o compromisso tem perna curta — e que nada disto fica bem ao Governo ou aos socialistas. Veremos, agora, como acaba a novela, que é a maior mancha no ano de Governo de esquerda, tão elogiada esta semana pelo Presidente Marcelo. 

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