Kiev e Bruxelas correm contra o tempo antes do ano de todas as incertezas

Donald Trump e eleições em vários países europeus causam apreensão na Ucrânia, que teme recuo nas sanções contra a Rússia.

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Angela Merkel e Petro Poroshenko, em Agosto de 2014 Gleb Garanich / Reuters

A Ucrânia e a União Europeia juntam-se esta quinta-feira para uma cimeira conjunta que representa a derradeira oportunidade para aproximar o país da estabilidade antes de se iniciar um ano que ameaça mudar de forma dramática o contexto internacional. Antecipando essa situação, o Presidente norte-americano, Barack Obama, manifestou há dias o desejo de pacificar a Ucrânia antes de abandonar a Casa Branca, a 20 de Janeiro.

Porém, a realidade no terreno não deixa margem para grandes esperanças. Na linha da frente do conflito entre o Exército ucraniano e as forças separatistas pró-russas mantém-se o impasse que marcou os últimos meses, quebrado por violações esporádicas do regime de cessar-fogo. O Acordo de Minsk, cuja segunda versão foi assinada em Fevereiro de 2015, continua por cumprir. O Governo de Kiev tem recusado em fazer avançar a agenda política do acordo de paz – que inclui a concessão de um regime de autonomia aos territórios rebeldes – enquanto as hostilidades persistirem.

No final deste mês, Minsk deverá receber um encontro entre os chefes da diplomacia alemã, francesa, russa e ucraniana, mas a falta de ambição quanto às conversações não foi sequer escondida, como se percebe pelo comentário do ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Frank-Walter Steinmeier. “Mesmo que não consigamos encontrar uma grande solução para a crise, negociações destas são necessárias para assegurar que a situação não foge de controlo.”

Não há, portanto, muito optimismo de que o desejo de Obama possa vir a ser cumprido. “Neste momento não vejo qualquer progresso quanto ao desenvolvimento da agenda [do Acordo de Minsk]”, diz ao PÚBLICO, por email, a vice-primeira-ministra ucraniana responsável pelos Assuntos Europeus, Ivanna Klympush-Tsintsadze. “Portanto, na minha opinião, acabar com a guerra nos próximos meses parece improvável”, comenta.

Os próximos meses podem trazer mudanças profundas no panorama político internacional com consequências imprevisíveis para a Ucrânia. Em Janeiro, Donald Trump toma posse como Presidente dos EUA e traz uma agenda consideravelmente diferente do seu antecessor em relação à Rússia. Durante a campanha, o republicano não escondeu que pretende reaproximar Washington de Moscovo e desvalorizou as acções russas na Ucrânia, incluindo a anexação da Crimeia. Porém, Trump terá, por outro lado, a pressão do Partido Republicano que, mais até do que o Democrata, defende um maior apoio, incluindo militar, à Ucrânia na luta contra os separatistas pró-russos.

A vice-primeira-ministra ucraniana admite que alguns dos comentários de Trump “causaram apreensão e preocupação” no país, mas manifestou a esperança de que “as políticas tradicionais de segurança e diplomacia do Partido Republicano sejam reflectidas nas decisões da nova Administração”. Segundo a Reuters, o Presidente ucraniano, Petro Poroshenko, deverá encontrar-se com Trump em Washington no início de 2017.

Eleições perigosas

Na Europa também se adivinham tempos de turbulência com as eleições que se avizinham. Em França, é muito provável que o próximo Presidente – seja o conservador François Fillon ou a líder da extrema-direita Marine Le Pen – se mostre favorável a uma aproximação à Rússia, que pode passar pela defesa de um alívio e até do levantamento integral das sanções económicas.

Na Alemanha, a chanceler Angela Merkel candidata-se a um quarto mandato, mas está mais pressionada do que nunca pela extrema-direita anti-refugiados e deverá ser obrigada a renovar a coligação com os sociais-democratas, que defendem uma posição mais branda relativamente a Moscovo. Na semana passada, Obama e vários líderes europeus concordaram em estender as sanções à Rússia por mais seis meses, mas ainda é necessária a aprovação do Conselho Europeu.

De forma quase fortuita, a Holanda assumiu um papel de relevo para o futuro da Ucrânia e as eleições legislativas de Março serão seguidas com interesse em Kiev. Em Abril, os holandeses chumbaram, em referendo, o acordo de associação entre a UE e a Ucrânia, após uma campanha feroz dos eurocépticos do Partido da Liberdade, deixando as relações entre Bruxelas e Kiev em suspenso.

Na cimeira desta quinta-feira, a agenda resume-se a questões de ordem prática nas relações entre a UE e a Ucrânia. O principal ponto de discussão é a liberalização dos vistos para os cidadãos ucranianos viajarem no espaço comunitário. Na semana passada, o Conselho Europeu deu luz-verde ao fim dos vistos, mas são ainda necessárias negociações entre os Estados-membro, o Parlamento Europeu e a Comissão, diz a Reuters. O Governo ucraniano lembra que foram cumpridas as 144 pré-condições requeridas por Bruxelas, mas Klympush-Tsintsadze diz não esperar qualquer progresso a tempo da cimeira. Desta, Poroshenko deverá trazer um pacote de ajuda de 600 milhões de euros para apoiar as reformas políticas e económicas em curso no país.

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