Passar o exame da escola romena

Não é o fim do mundo, ninguém morre, mas os compromissos morais minam o quotidiano: Exame passa o tempo todo a sussurrar-nos isso, na sua quietude, na sua autoridade. Ao serviço da tese, sujeita as suas personagens ao exame.

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Sujeitar as personagens a um Exame
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Na edição de Cannes em que Exame/Baccalauréat, de Cristian Mungiu, foi exibido em concurso – concorrendo com outro romeno de nomeada, Cristi Puiu, que ali apresentou Sierranevada – houve ainda outro, Bogdan Mirica, que apresentou na secção Un Certain Regard Dogs, uma primeira longa. Mirica começou por se distinguir por atirar farpas ao “chatíssimo”, como ele disse, cinema art house do seu país. Sabemos, então, a quem se dirigia... Sobre a diatribe, é preciso descontar ressabiamentos, invejas, picardia geracional e coisas desse tipo, mas Mirica estaria a extravasar um sentimento de saturação que, na verdade, os filmes de Mugiu e de Puiu não evitam ou não contornam. Aliás, quer um quer outro sublinham, sublinham famílias presas nos seus labirintos, mas encerram-se eles próprios nos seus procedimentos, dominando de forma irrepreensível, causando até espantos vários com isso, os sinais de uma “escola”. Quer dizer, colocam-se do lado da moral, convictos dos valores e do gesto de denúncia, e passam a enumerar os sinais de traição, dos compromissos do quotidiano, das cumplicidades. Acabando os filmes exactamente como começam: como se nada se tivesse mexido, não permitindo às personagens escaparem à teia que urdiram para elas, não criando horizonte de fuga (algo que o recentemente estreado Tesouro, de Corneliu Porumboiu, tentava, e isso distinguia-o, abrindo hipóteses de lenda, de fábula, para as personagens acreditarem, rompendo dessa forma a claustrofobia).

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No novo filme de Mungiu (um vencedor da Palma de Ouro de Cannes, recorde-se, com 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias, em 2007) há uma família que se vai desmembrando com os esforços, e apesar dos esforços, de um pai em conseguir que a filha ganhe uma bolsa que a leve a terminar os estudos no estrangeiro. Vai-se desmembrando porque, de forma imperceptível, há fronteiras que vão sendo violadas, compromissos morais que vão minando. Não é o fim do mundo, ninguém morre, mas é assim - o filme passa o tempo todo a sussurrar-nos isso na sua autoritária quietude, como se examinasse. Essa quietude começa a denunciar-se, começa a ser antecipada e esperada. Por isso a experiência é menos ameaçadora do que poderia ser. Tudo quieto na frente da chamada Nova Vaga Romena, instalada na demonstração. Ao serviço de uma tese, sujeita as suas personagens ao exame.

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