Afugentado o diabo, o PS já se sente abençoado

Não há subida dos juros da dívida nem problemas na CGD que assombrem o PS. Para os argumentos, até o INE, que fez “duas maldades ao PSD”, ajudou. O clima é de esperança no contágio das “boas notícias”.

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O presidente e líder parlamentar do PS, Carlos César, tem passado a ideia de que o partido e o Governo só têm motivos para sorrir Adriano Miranda

A lista de notícias “boas” é longa e repetida à exaustão,a ver se passa lá para fora para os mercados financeiros, que andam voláteis e assustam com os juros a dez anos, que andaram próximo dos 4% ainda na sexta-feira. Nada que faça mudar o discurso optimista dos socialistas, que na Guarda agarram um anjo dado pelo PSD para dizerem que o diabo foge e é bom que ninguém o continue a chamar.

Metáforas à parte, os socialistas reúnem-se esta segunda e terça-feira na Guarda nas jornadas parlamentares do partido e no discurso entram sobretudo os resultados económicos e a execução orçamental. Carlos César, no sábado à noite, referiu uma longa lista de 17 indicadores que tinham corrido bem ao Governo nas últimas semanas para atacar o discurso de Passos Coelho - “parece tomado pelo diabo” e "não há candidato a exorcista", de Rui Rio a Santana Lopes, que lhe valha, atirou.

O humor tem sido utilizado pelo presidente do partido que, mesmo ainda com algumas pontas soltas por negociar no Orçamento do Estado, acredita que a aprovação do documento é só mais um indicador que tem de ser aproveitado para melhorar o clima no país.

Contudo, esse clima foi esta segunda-feira perturbado por uma volatilidade nos mercados que fizeram com que a dívida pública a dez anos quase tocasse nos 4%, a barreira psicológica para a agência canadiana DBRS, que só questiona o rating ao país quando e se os juros ultrapassarem esse valor. Mas nem este dado nem os possíveis efeitos para a concessão de crédito às empresas que um adiamento da recapitalização da CGD para 2017 pode provocar abalaram a boa disposição do presidente do partido, que preferiu contornar estes dois assuntos.

Sobre os juros, disse acreditar que é sobretudo uma questão de contágio: “O que resta agora é que os mercados, designadamente os mercados financeiros, adquiram essas boas notícias e as materializem nos juros, por exemplo, a dez anos”, responde. Aliás, nesta segunda-feira os juros a dez anos já desceram, embora tenham subido no prazo dos cinco anos... E sobre a CGD, depois de quase pedir a demissão dos gestores se estes não entregassem as declarações de património e de rendimento, nem mais uma palavra. Ou melhor, nem uma palavra sobre o adiamento, mas aproveitou para acusar o anterior Governos de "laxismo", por não ter resolvido o problema da banca. 

Nada de estranhar, tendo em conta que a intenção do Governo é a de não chamar o “diabo” e manter longe do país as más notícias lá de fora. “Isto é bom para afugentar o diabo”, disse Carlos César, quando recebeu da mão do presidente da Câmara da Guarda, Álvaro Amaro, um anjo da Guarda em cerâmica. Sem qualquer “conotação ideológica”, pediu o autarca social-democrata: “Não é para vos abençoar assim”.

Mas César sente que o Governo já tem a bênção e, se não a tivesse, podia tê-la pedido ao bispo da cidade forte, fiel e fria, que uma comitiva do PS visitou. O deputado socialista Santinho Pacheco chegou a garantir ao bispo Manuel Felício que o órgão de tubos que o eclesiástico pedia era já um dado adquirido - ou não fosse 2017 um "ano de eleições [que] é um ano magnífico para essas coisas", brincou. Questões de fé à parte, aos socialistas o que lhes dá mais defesas contra o demónio são os números e as boas novas de Bruxelas, insistiu o presidente do partido ao longo destes dois dias de encontros dos deputados.

E para atacar a oposição, até o Instituto Nacional de Estatística ajudou. “O INE fez uma dupla maldade à oposição: divulgou os resultados do PIB e deixou criar a ideia na oposição de que o aumento do PIB não tem a ver com a procura interna”, diz ao PÚBLICO o porta-voz do partido, João Galamba. Em causa está, para o socialista, o efeito “meramente estatístico” da venda dos F-16 à Roménia. Ou seja, com a venda dos caças da Força Aérea àquele país, são “empoladas as exportações e, por contrapartida, é reduzido o investimento na mesma proporção”.

Na prática, para o PS nem os resultados ajudam o PSD, nem o facto de este partido dizer que a estratégia do Governo é que está mal, porque, argumenta Galamba, descontado o efeito dos F-16, os dados do INE mostram que há um reforço da tese “de recuperação de rendimentos”, porque a “procura interna contribui mais para este aumento do PIB” do que as exportações.

Esta terça-feira, é a vez de António Costa entrar em cena, no encerramento das jornadas parlamentares.

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