Igualdade para filhos e mulheres: as grandes mudanças de 1977

Foi um ano de trabalho intenso. Leonor Beleza lembra as regras discriminatórias do Código Civil de 1966: ter contribuído para a sua mudança foi das coisas mais interessantes que fez na vida, confessa

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Leonor Beleza teve depois a tarefa de explicar aos media as alterações ao Código Civil ENRIC VIVES-RUBIO

Recebe-nos no seu escritório na sala da Fundação Champalimaud, em Lisboa, onde as janelas abrem para o rio Tejo. A meio da conversa, Leonor Beleza há-de confessar que ter participado na maior alteração ao Código Civil, em 1977, foi das coisas mais interessantes que fez na vida. Passou um ano de trabalho “intensíssimo”, mesmo aos “feriados e fins-de-semana”.

Leonor Beleza tinha 27 anos e chegou ao grupo de trabalho via Comissão da Condição Feminina, onde reivindicava “intensamente” alterações à lei. O processo começou em 1976, em sequência da entrada em vigor da Constituição - muitas das suas regras tornaram “não aceitável” o que estava no Código Civil (CC).

“O CC foi tecnicamente muito conseguido do ponto de vista de codificação das regras no domínio dos contratos, da família, das sucessões, das relações jurídicas em geral entre particulares, envolvendo pessoas singulares ou colectivas.” Mas continha regras discriminatórias contra as mulheres casadas: dizia que o marido era o chefe da família, e a ele lhe cabiam as decisões, que o homem era o administrador dos bens do casal, que o pai era co-titular do poder paternal quando na verdade o poder paternal lhe estava confiado. “Resumia-se a uma semi-incapacidade das mulheres no momento em que casavam. Isso traduzia-se na filiação, e na forma como estava concebida, nomeadamente com tudo o que era conteúdo de poder atribuído ao pai.”

O fim dos ilegítimos

Em relação à filiação havia outra questão: a discriminação entre os filhos que nasciam dentro e fora do casamento. “A Constituição inviabilizou a discriminação entre as mulheres e homens e entre os filhos consoante proviessem ou não do casamento dos pais. Só estas duas regras exigiam a inviabilização de muita coisa no CC, sobretudo na parte do Direito da Família e das Sucessões”, continua.

Uma das questões que mais polémica levantou na altura foi o regime de “sucessão do cônjuge que sobrevive”, que aparecia depois dos ascendentes e descendentes, seguindo “uma ideia de família de sangue”. Entenderam que para a ideia moderna de casamento - em que há proximidade muito grande entre o casal - o cônjuge deveria passar a ser sucessor como os filhos. “Houve uma certa divisão e esta escolha foi feita pelo dr. Almeida Santos”, conta. O casamento entre pessoas do mesmo sexo não seria sequer abordado.

Do ponto de vista técnico, a revisão mais difícil na lei foi a igualdade dos filhos, “porque todo o sistema assentava na desigualdade”, lembra. Havia ainda o facto de a adopção ser muito difícil, apenas permitida por “duas pessoas, casadas e há mais de dez anos sem filhos” – o que em 1977 foi alterado.

A introdução da igualdade em vários domínios tinha “um sentido pedagógico”, lembra. Por exemplo, no CC de 1966 a mulher podia optar pelo apelido do marido; no de 1977 acharam que essa opção se deveria estender ao marido. “Não quer dizer que tenha acontecido muitas vezes, mas tinha o sentido pedagógico de dizer ‘vocês fazem o que querem’.” Esse era o espírito de quem estava a conquistar “uma luta para que acontecesse”.

A comissão de revisão, presidida por Isabel Magalhães Colaço, foi alvo de críticas, nomeadamente por causa das igualdades de filhos e mulheres, lembra ainda Leonor Beleza. A oposição veio de várias frentes, sobretudo da Igreja Católica.

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