Entrega da Zona Franca a Grupo Pestana gera polémica na Madeira

Ajuste directo à mesma concessionária, detida pelo Grupo Pestana, tem sido alvo de críticas. Receitas fiscais na ordem dos 150 milhões anuais deixam pouco espaço para contestar a praça madeirense.

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Zona Franca da Madeira gera receitas fiscais na ordem dos 150 milhões de euros por ano HELDER SANTOS/ILHAPRESS

O concurso para a concessão da Zona Franca da Madeira, aberto no final da semana passada pelo governo madeirense, não reúne consensos no Funchal. O executivo do social-democrata Miguel Albuquerque optou pela modalidade de ajuste directo, renovando a concessão ao Grupo Pestana, justificando essa “opção política” com a necessidade de “assegurar a maior estabilidade possível” ao Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM).

Durante esse período, entre o fim do III Regime e a aprovação do IV, que aconteceu em Julho de 2015, o CINM perdeu perto de mil empresas, e é esse cenário que o governo regional diz querer evitar. Por isso, vai prolongar a concessão, que termina em 2017, à actual concessionária, a Sociedade de Desenvolvimento da Madeira (SDM), detida maioritariamente pelo Grupo Pestana.

“Considerando os resultados alcançados e a confiança dos próprios agentes económicos na atual concessionária, a região não poderia correr riscos que levassem à redução dessa confiança, que a acontecer teria reflexos negativos para a economia regional”, argumentou ao PÚBLICO, o secretário regional das Finanças e da Administração Pública, Rui Gonçalves, acrescentando que a modalidade de “concurso por ajuste directo” está prevista no Código dos Contractos Públicos.

Queremos, continuou Rui Gonçalves, assegurar a maior estabilidade possível aos processos em curso relacionados com a gestão, administração e promoção da zona franca. Mas as explicações não convencem a oposição, que acusa o governo de “falta de transparência” e de querer “beneficiar” o Grupo Pestana, que tem gerido a zona franca nas últimas três décadas.

“Não está em causa da gestão da SDM, a quem fazemos uma avaliação positiva, mas sim a forma pouco transparente como o processo está a ser conduzido”, apontou ao PÚBLICO o presidente do CDS-Madeira, António Lopes da Fonseca. O partido que lidera a oposição no arquipélago defende que esta seria uma boa oportunidade para comprometer o país com a zona franca, criando um conselho consultivo em que estivessem representados o governo da República, a Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) e a Associação Industrial Portuguesa (AIP-CCI).

“Seria uma forma do governo assumir o CINM como instrumento de interesse nacional”, explica Lopes da Fonseca, insistindo na necessidade do concurso ser “transparente, objectivo e aberto”.

Se a forma como o processo de concessão divide os partidos, a importância da zona franca para a economia regional é quase pacífica. Os últimos dados divulgados, relativos a 2015, contabilizam uma receita fiscal gerada pelas empresas sediadas no CINM de 151,36 milhões de euros, o que representa 17,1% do total de IRC arrecadado pela Madeira nesse ano. Um valor, disse recentemente Miguel Albuquerque, que deverá subir em 2016 para valores próximos dos 190 milhões de euros.

Socialistas criticam

É por isso, pelos valores envolvidos, que o PS-Madeira discorda da forma como a gestão da zona franca tem sido feita. Carlos Pereira, líder dos socialistas, é duro nas críticas. “Ou este governo é mesmo tremendamente incompetente ou está incondicionalmente submetido aos interesses do Grupo Pestana”, acusa, dizendo ser “inaceitável” e “condicionador” que sejam privados a gerir benefícios fiscais. A maioria do capital da SDM, entende Carlos Pereira, deveria passar para as mãos públicas, e as alterações feitas no modelo são pura maquilhagem.

O governo regional diz que não. Na actual concessão, o executivo tem uma participação de 25% na SDM que será ampliada para 49%. Também os rendimentos, por via das taxas cobradas às empresas e aos dividendos da concessionária, crescem de 10 para 15%. “Com esta nova configuração, os rendimentos anuais da região irão aumentar na ordem dos 75%, passando dos 1,9 milhões de euros para valores acima dos 3,3 milhões de euros por ano”, projecta Rui Gonçalves, ressalvando que o novo contrato apenas entrará em vigor após o visto prévio do Tribunal de Contas ou, em alternativa, de uma declaração deste assegurando que a concessão não está sujeita a visto.

“Esta opção pela remessa do processo ao Tribunal de Contas visa eliminar todas as dúvidas que porventura possam existir, nomeadamente dos partidos da oposição, sobre eventuais questões de legalidade, bem como conferir toda a transparência e escrutínio a este mesmo processo”, justifica o secretário regional.

A nova concessão tem uma duração de 10 anos – termina em 2027 -, coincidindo com a vigência do IV Regime de Incentivos do CINM, que expira nessa data. Mas o prazo, admite Rui Gonçalves, pode ser prorrogado por mais cinco anos, sempre por iniciativa do governo, não havendo lugar a qualquer indemnização. “A concessionária fica também obrigada a devolver à região, sem qualquer ónus ou encargo, todos os bens e direitos que integram a concessão”, acrescenta o responsável pelas Finanças madeirenses.

Depois das indefinições vividas até à entrada em vigor do IV Regime de Incentivos, que retirou os Serviços Financeiros das actividades admitidas, a zona franca tem conseguido atrair empresas a bom ritmo. Os dados divulgados esta semana pela SDM apontam para 120 novos licenciamentos nos primeiros nove meses deste ano, e um crescimento de quase 300 empresas desde Julho de 2015.

No ano anterior, o peso do CINM na economia regional tinha sido de perto de três mil postos de trabalho, o que representava 10% da massa salarial do arquipélago, exceptuando a administração pública regional. O salário médio pago aos trabalhadores do CINM era superior ao salário médio regional.

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