Ex-espião condenado por violar segredo de Estado e espiar jornalista

Silva Carvalho foi condenado a pena suspensa de quatro anos e meio de prisão. Antigo dirigente das secretas pretendia descobrir fonte de informação de repórter do PÚBLICO acedendo a dados do seu telemóvel.

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Rui Gaudencio

Os juízes do Campus da Justiça, em Lisboa, condenaram nesta sexta-feira à tarde o antigo dirigente das secretas Jorge Silva Carvalho a uma pena de prisão suspensa de quatro anos e seis meses de prisão por violação do segredo de Estado e vários outros crimes, como ter mandado espiar a facturação detalhada do telemóvel do jornalista Nuno Simas e ter devassado a vida privada de Francisco Pinto Balsemão. Foi, porém, absolvido da acusação de ter sido corrompido pelo patrão da Ongoing, Nuno Vasconcellos, que também foi ilibado no chamado processo das secretas. 

Ficou provado que Silva Carvalho violou o segredo de Estado entre 2010 e 2011, quando usou o Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED) que dirigia, para recolher informações para o grupo económico Ongoing, para o qual foi trabalhar após deixar as secretas.

Contudo, ao contrário do que defendia o Ministério Público, o colectivo de juízes que proferiu o acórdão considerou que o espião não retirou daí nenhum proveito pessoal. É verdade que ao transitar para a Ongoing conseguiu um emprego melhor remunerado do que aquele que tinha nas secretas. Mas para o tribunal isso deveu-se aos laços maçónicos que o uniam a Nuno Vasconcellos, e não ao facto de arranjar informações classificadas ao grupo económico. 

A presidente do colectivo de juízes disse não haver "qualquer evidência" de que tenha recebido contrapartidas pelas informações que arranjou à Ongoing. E invocou um argumento já utilizado pelo advogado de Silva Carvalho: se a Ongoing estivesse sobretudo interesssada nos serviços de espião de Silva Carvalho não iria empregá-lo, porque a sua permanência nas secretas lhe seria mais útil do que a sua saída. 

Empresários russos na mira dos espiões

Os espiões do SIED chegaram a investigar dois empresários russos, não por ameaçarem a segurança nacional, mas por constituírem potenciais parceiros de negócios da Ongoing num porto grego — "leviandade" que, sublinharam os juízes, poderia ter deixado Portugal em muito maus lençóis: "Podia ter criado grandes dificuldades à diplomacia portuguesa e à defesa do Estado."

Tanto Silva Carvalho como um dirigente das secretas, que trabalhava sob as suas ordens, João Luís, ao qual foram aplicados dois anos de prisão também suspensos, estavam conscientes da ilegalidade destes actos. Tal como o estavam relativamente a outra operação que levaram a cabo: mandarem espiar a facturação detalhada do então jornalista do PÚBLICO Nuno Simas.

Neste caso, o objectivo era descobrir as fontes de informação das notícias que ele publicava sobre as secretas, e que o então director do SIED sentia que o prejudicavam. Para o conseguirem, Silva Carvalho e João Luís pediram a um operacional dos serviços de informações, Nuno Dias, que convencesse a companheira, Gisela Teixeira, então funcionária da Optimus, a aceder aos registos telefónicos. 

A juíza-presidente sublinhou que não estava em causa a salvaguarda do interesse nacional, tendo essa actuação ilegal constituído um acto desnecessário e desporcional, e condenou tanto o casal — embora apenas a multas, respectivamente de 1500 e 840 euros — como Silva Carvalho e João Luís. Além de acesso ilegítimo agravado, estes dois últimos foram ainda condenados por abuso de poder.

Superespião paga indemnizações

O superespião, como lhe chamavam, terá também de pagar uma indemnização de 10 mil euros a Francisco Pinto Balsemão. Durante as buscas, as autoridades encontraram no seu computador um relatório com informação encarada pelo tribunal como "muito grave" — independentemente da sua veracidade — sobre a vida íntima e profissional do ex-primeiro-ministro. Ao jornalista, o superespião irá ter de indemnizar em 15 mil euros, verba que Gisela Teixeira terá também de ajudar a pagar.

Depois de saberem que tinha sido espiado, várias fontes de informação de Nuno Simas afastaram-se dele, com medo de serem descobertas, disse a juíza. 

À saída do tribunal, e questionado sobre se voltaria a espiar o telemóvel de um jornalista naquelas condições, Silva Carvalho, que tenciona recorrer da sentença, fez questão de não deixar dúvidas com uma resposta directa: "Sim, como é óbvio."

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