Vitorino não sabe do que se trata mas vai cantar “Não concordo”

Cantor e compositor alentejano antecipa ao vivo um novo disco enquanto celebra os 40 anos do primeiro. E com vários convidados. Esta sexta-feira no São Luiz, em Lisboa, às 21h.

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Vitorino: "Quem mais quiser vir que venha, como diria o Zeca" NANÁ SOUSA DIAS

O título do espectáculo que Vitorino leva esta sexta-feira ao São Luiz, em Lisboa, pelas 21h, parece uma brincadeira, entre a ironia e o anarquismo: “Não sei do que é que se trata mas não concordo”. Mas a frase, que dará título do seu novo disco, existe mesmo. “É uma história verdadeira, de um parente meu que era carpinteiro, usava fato-macaco, boina preta, solitário, misógino, um bêbado muito organizado, a quem chamavam Zé Embirra. Uma vez chegou ao Redondense Futebol Clube, estava reunida a assembleia geral para eleições dos corpos gerentes ou outra coisa qualquer, pediu a palavra e disse: ‘Não sei do que é que se trata, mas não concordo.’ Nunca mais me esqueci disto.”

Ainda se encontraram mais tarde, em Lisboa, frequentavam ambos o Bairro Alto nos anos 80. Beberam um copo juntos, numa tasca da escolha dele, mas depois Vitorino perdeu-lhe o rasto. “Disse-lhe ‘adeus até um dia’ e nunca mais o vi. Deve ter morrido por Lisboa, naquelas tragédias da grande solidão.” Mas aquela frase no Redondense nunca a perdeu, até hoje. “O homem era anarquista sem saber, toda a vida o foi. Não tinha era teoria, a ideologia orientada sob o ponto de vista dos livros ou da atitude.”

Mas por que foi agora Vitorino buscar aquela frase? “Porque encaixa perfeitamente no tempo histórico que estamos a passar agora; porque, de facto, eu não sei do que é que se trata, mas não concordo.” E fez uma canção com esse nome e outra chamada Moda revolta, que diz assim: “Vou de costas p’ró desemprego/ p’ra fila da sopa dos pobres/ amor gosto de ti não chego/ a horas de te dar um beijo/ preciso de ganhar uns cobres”.

Homenagear Manuel João Vieira...

A ideia de celebrar ao vivo os 40 anos do primeiro disco, Semear Salsa ao Reguinho (1975), surgiu ao mesmo tempo que ele começou a fazer um disco novo. “Se não fizer discos não tenho atenção mediática. Como tenho sempre no frigorífico umas três dezenas de canções, e algumas vale a pena editar, estou a fazer mais um. Tenho uma banda, que é malta com menos trinta anos que eu, muito dinâmica, que me pergunta: então o disco destas canções que tu andas a fazer e gente anda aí a tocar na estrada?” Ora o disco avançou e já há quatro canções gravadas. “A linguagem é uma que eu lhes proponho mas também é muito deles, e o disco tem de estar feito em três ou quatro meses.”

Mas o concerto vem antes. “Haverá canções novas, mas eu sei que as pessoas que irão também querem ouvir aquelas que lhes deram alguma felicidade.” Além disso, haverá convidados. Um deles é Manuel João Vieira, dos Ena Pá 2000. “É uma homenagem. Aquele homem nunca foi homenageado como merece, é um artista fabuloso, de um talento imenso, de uma entrega… Por causa de ele ser assim, é um solitário. Ele vai para o palco e é melhor arranjarem algodões para os ouvidos. Ou não.” Haverá no São Luiz, paralela ao concerto, uma exposição de pintura de Manuel João Vieira (que é filho do pintor e artista plástico João Vieira, 1934-2009). Além dele, participam no concerto Ana Bacalhau, Samuel Úria, Filipa Pais, Ana Vieira e o coral alentejano Camponeses de Pias. “E quem mais quiser vir que venha, como diria o Zeca.”

... António Lobo Antunes e Carlos Mota de Oliveira

O título do novo disco, a lançar em 2017, provavelmente com novo espectáculo, é o da frase herdada de Zé Embirra: Não Sei Do Que É Que Se Trata, Mas Não Concordo. “É um título do tamanho dos títulos do António Lobo Antunes. Que tem títulos lindíssimos. Aliás, vou pôr neste disco uma canção que é o título de um livro dele, que se chama Não É Meia Noite Quem Quer. Vou homenageá-lo a ele e ao Carlos Mota de Oliveira, que também se chama José Bebiano e outras vezes chama-se Ana de Sá (acha que é a mãe do Camões). É um poeta marginal muito interessante. E já gravei a canção.”

No disco, os músicos que o acompanham serão os mesmos que estarão com ele no São Luiz, esta sexta-feira. “É sempre esse núcleo duro. O Sérgio Costa, que trabalha muito com o JP Simões e agora tem um grupo que se chama The Millions, onde ele assume a personagem de um roqueiro americano; o Rui Alves, que é meu bateria há trinta anos; o meu sobrinho Daniel, que toca clarinete maravilhosamente; o Tomás Pimentel; o Carlos Salomé, que é meu irmão; e o Paulo Jorge, que toca baixo. Temos aí um grande sexteto!”

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