Depois das imagens de choque, maços de tabaco podem “perder” as marcas

No dia mundial do não fumador, especialistas defendem que Portugal deve avançar para embalagens neutras como recomenda a Organização Mundial de Saúde. Fumadores consomem 16 cigarros por dia e imposto rende ao Estado 1,5 mil milhões por ano.

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Entre Janeiro e Outubro deste ano, entraram no mercado nacional cerca de 8,8 mil milhões de cigarros

Numa altura em que os fumadores ainda se estão a habituar às imagens de choque nos maços de tabaco e o Parlamento aprecia a proposta de alargamento da proibição de fumar a cinco metros das escolas e hospitais, especialistas em prevenção de tabagismo defendem que Portugal deve ir mais longe e avançar para as embalagens neutras, sem o logótipo das marcas, como já fizeram Inglaterra e França. Se a proposta avançar, os fumadores terão de se habituar a comprar maços sem que as marcas que hoje os diferenciam sejam visíveis nas embalagens.

Esta é mais uma medida pensada para combater o tabagismo, numa altura em que em Portugal, apesar das crescentes restrições legislativas, o consumo de tabaco diminuiu menos de um ponto percentual em nove anos e os fumadores consomem cerca de 16 cigarros por dia. Este ano, prevê-se que o Estado arrecade 1,5 mil milhões de euros com o imposto do tabaco. 

Foi a Organização Mundial da Saúde (OMS) que recomendou formalmente em Maio que os países adoptassem o chamado plain packaging. Os responsáveis da Direcção-Geral da Saúde (DGS) estão a favor, mas a prioridade neste momento é conseguir que a nova proposta de alteração à lei do tabaco seja aprovada no Parlamento, onde um grupo de trabalho se prepara para a apreciar, depois de ter baixado sem votação à comissão da especialidade e merecido críticas de vários deputados.

Medida depende de decisão política

“Isto passa por decisões políticas”, argumenta a directora do Programa Nacional para a Prevenção e Controlo do Tabagismo da DGS, Emília Nunes, que reconhece os fundamentos "a favor” dos maços neutros ou normalizados, apesar de lembrar que a proposta “ainda não foi colocada em cima da mesa” em Portugal.

“Temos ficado muito atrás nas políticas de controlo do tabagismo, vamos apenas cumprindo o que é obrigatório. O plain packaging recomendado pela OMS tem um efeito bem maior [do que as actuais imagens de choque] porque elimina quase totalmente a publicidade nas embalagens", defende Hilson da Cunha Filho, da Confederação Portuguesa de Prevenção do Tabagismo. Em 2012, a Austrália foi pioneira ao avançar com esta medida e das embalagens passaram a exibir apenas imagens e avisos e desapareceream as referências publicitárias às marcas.

Em Portugal, não é possível por enquanto avaliar o impacto das imagens de choque, até porque as empresas beneficiam de um período transitório (têm até Maio de 2017 para adoptar a medida) e os dados disponíveis (da Autoridade Tributária e Aduaneira) apenas reflectem a colocação dos produtos do tabaco no mercado, não correspondendo aos cigarros efectivamente consumidos.

O que se sabe é que, entre Janeiro a Outubro, entraram no mercado nacional cerca de 8,8 mil milhões de cigarros, mais 12% do que no mesmo período de 2015. Contas por alto, são perto de 16 cigarros por dia por fumador, em média.

33 mortes por dia

Os números do último Inquérito Nacional de Saúde (de 2014 mas divulgados no final do ano passado) indicam isso mesmo. A prevalência de fumadores (20% da população com 15 ou mais anos) diminuiu de forma ligeira face a 2005/2006 (era então de 20,9%). Ou seja, menos de um ponto percentual em nove anos, apesar da legislação mais restritiva, do aumento de preços e das campanhas contra o tabagismo, que estava associado a 33 mortes por dia em 2013.

O que se percebe também é que, enquanto o número de ex-fumadores cresceu, ao longo deste período, foi diminuindo a percentagem de não fumadores (passou de 62,9% para 58,2%), por estar a aumentar o consumo entre os jovens. É isto que preocupa os especialistas em prevenção do tabagismo. “Os adolescentes começam a experimentar o tabaco mais tarde (por volta dos 14 anos, quando antes era aos 12), mas muitos tornam-se consumidores regulares aos 18”, lamenta Hilson Cunha Filho. Por isso é que a adopção das embalagens neutras é tão importante, acentua. O objectivo é "tornar os maços de tabaco o menos atractivos possível", diz.

Enquanto o cerco aos fumadores se continua a apertar, a indústria tabaqueira adapta-se à nova realidade, lançando novos produtos, como aconteceu com a Tabaqueira que tem no mercado há meses os chamados heatsticks, uma espécie de cigarro que se introduz numa caneta para inspirar e fazer vapor a baixas temperaturas. Os heatsticks são equiparados aos outros produtos do tabaco na proposta que se encontra no Parlamento, à semelhança dos cigarros electrónicos, o que faz sentido, segundo Hilson Cunha Filho, por "não haver ainda uma avaliação científica independente dos seus efeitos".

Sobre os números disponíveis, fonte oficial da Tabaqueira explicou ao PÚBLICO que “os últimos anos revelaram uma tendência de maior consumo de produtos em categorias de preço mais baixas". E aproveitou para sublinhar que discorda das actuais “medidas como embalagens genéricas ou de formatos e dimensões uniformizados, avisos de saúde de dimensões excessivas", além das "restrições de exposição em pontos de venda". 

No Parlamento, a proposta de lei que pretende proibir que se fume à porta de escolas e hospitais e nos parques infantis baixou à comissão de especialidade sem votação e está a ser constituído um grupo de trabalho para a apreciar e propor alterações, o que só deverá acontecer em Dezembro.

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